Cinco vozes sobre o 28 de outubro

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 04/11/2025
Horário 06:00

Uma crônica. Um só dia. Cinco diálogos. 

No gabinete
— Foi cirúrgico. Um sucesso absoluto. Os números falam por si: mais de 115 elementos de alta periculosidade neutralizados. Foi um golpe no coração do tráfico.
— É isso! A população sente a presença do Estado. Sentiu a nossa força. Os feeds das redes sociais estão positivos. A mensagem de que não estamos medindo esforços para proteger os cidadãos de bem foi passada com clareza.
— E a maioria dos mortos tinha passagem pela polícia. São soldados do tráfico. Eliminamos soldados. Não esquece de mandar os pêsames para as viúvas dos policiais mortos.

No barraco
— Vó, foi o Thiaguinho mesmo... Ele tava lá embaixo quando começou.
— Eita menino. Deus é mais. Ninguém pergunta quem é trabalhador, quem é não. Foi é tiro pra todo lado e nóis olha pra um lado é o comando e nós olha pro outro é os alemão.
— Mas disseram na TV que era só bandido...
— Na TV deles é fácil, Carlinho. Aqui, a gente sabe. Morre soldado, morre avô, morre pai, mãe. Morre quem tava no lugar errado e na hora errada. E amanhã? Os chefes tão longe, lá na zona sul. No lugar do Thiaguinho já deve ter outro menino. Sempre tem. A gente é moeda de troca nessa guerra que não é nossa.

No partido
— A classe média tá aplaudindo de pé. É o que importa. A imagem de "guerra ao tráfico" ainda vende muito voto e nós vamos aproveitar para colocar esta pauta no centro das eleições ano que vem.
— Convenhamos que foi pura pirotecnia, foi midiática e letal. Mas levantar esta bola de combate ao crime organizado, só assim mesmo. Investigar, rastrear dinheiro dos caras é trabalho de formiga, não dá Ibope. Agora, helicóptero sobrevoando, caveirão subindo morro e 120 corpos? Isso é espetáculo. É a cortina de fumaça perfeita para a falta de políticas públicas de verdade.
— Exato. Pode chamar o pessoal do marketing e começar a trabalhar com essa ideia aí de segurança. 

Longe de lá
— Nossa, que coisa terrível que aconteceu no Rio! Mas é isso mesmo, tem que matar mesmo esses bandidos. O Rio tá um caos.
— Pois é, mãe, mas você sabe que a maioria era jovem, pobre, negro... Será que era tudo bandido?
— Ah, filho, a polícia sabe o que faz. Se morreu, é porque devia. E esses que morreram estavam fazendo o que lá na favela?
— Ué, eles moram lá, né? Olha, mãe, você precisa parar de ler essas coisas do grupo de Zap da família. Está ficando manipulada demais. Aqui onde a gente vive, a milhares de quilômetros, estamos seguros, mas lá é outra história. Não temos lugar de fala nessa história, não.
— Ih, lá vem você com esse papo de direitos humanos. Pega o carro e vai buscar sua irmã no clube.
 
Na redação
— Mais um dia de "operação histórica". A mesma ladainha. Os mesmos comunicados triunfantes. Os mesmos corpos.
— Lembra de 2007? Entraram com tudo, com tanques na rua. Fizeram a foto bonita, a bandeira do Brasil no alto do morro. Foi um espetáculo. E depois? A bandeira ficou, o tráfico voltou, e nada mudou. Só o calendário.
— Vai, vamos lá ouvir os caras. Se bem que teremos as mesmas declarações de sempre. E daqui a seis meses, de novo e de novo. Esse roteiro parece eterno.
— Tem a manchete já? Pode usar a mesma da outra vez, mas acrescenta que foi a “mais letal da história”. Vende mais. 
 

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