O trem desliza veloz (255 km/h, pode imaginar?), costurando a paisagem alemã entre Munique e Essen. Deixo para trás as fantásticas exposições permanentes do grandioso “Deutsch Museum” com seus aviões suspensos, minas reconstruídas, telescópios gigantescos e a sua celebração à criatividade técnica. Não demora muito, recorto Nuremberg e sua atmosfera que concentra símbolos opostos: é ao mesmo tempo berço de artistas como Albrecht Dürer e palco dos sombrios comícios nazistas.
Que maravilha é o Museu Germânico Nacional e seu mosaico de artes, técnicas, instrumentos musicais, objetos cotidianos. Não muito longe dali encontro Würzburg, marcada pelo Rio Main e o espaço urbano com suas figuras em madeira talhada no gótico tardio. Pela janela, a sucessão de campos agrícolas com tons variados de verde, bosques e vilarejos me envolve como se fosse uma aula prática sobre linguagem cinematográfica. De repente, sinto que viajo não só no espaço, mas também em planos de câmera.
Quando os olhos se perdem no horizonte, vejo o grande plano geral: os campos verdes recortados por fileiras de árvores, a geografia marcada pela agricultura ordenada e pelas turbinas eólicas girando no alto das colinas. É como se a paisagem inteira fosse uma cartografia em movimento, oferecendo referências amplas, quase impessoais, mas de beleza silenciosa. Foi esse tipo de material que explorei com meus estudantes de geografia da juventude nos grandes percursos dos trabalhos de campo (geoestenogramas, quem se lembra?).
Logo em seguida, um corte rápido – a estação que passa, as pessoas na plataforma, bicicletas encostadas, uma mãe com a criança pela mão, um casal de velhinhos sentado no banco. O olhar aproxima-se e reconhece rostos, gestos, histórias imaginárias. É o plano geral, que devolve humanidade ao cenário, revelando a vida que pulsa nos intervalos da velocidade.
Entre um plano e outro, o trem constrói um “travelling lateral”, esse movimento contínuo que transforma o espectador em viajante, e o viajante em espectador. Sou levado pela câmera invisível que me habita, misturando distância e proximidade, razão e emoção. No destino dessa travessia está Paula, em Essen, onde mora com Deniz, Felipe, Rafael e Isabela. A viagem deixa de ser apenas deslocamento; torna-se narrativa. Do Grande Plano Geral da Alemanha, vista do alto e rasgada do sul ao norte, ao Plano Geral do abraço da minha filha. Descubro que o cinema e a geografia podem compartilhar a mesma essência: ambos contam histórias em movimento e de lugar.