Coringa no Divã

OPINIÃO - Guilherme Marconi Germer

Data 05/12/2019
Horário 04:35

Como não sair sensibilizado do filme “Coringa” (Joker), de Todd Phillips? Ele conta com uma música genial (de H. Gudnadóttir), uma atuação comovente de Joaquin Phoenix, uma primorosa fotografia e uma temática profunda. Conforme o diretor, fala-se de “amor, trauma e falta de compaixão”.

Violência gera violência. Não muito longe do dito popular, Freud relembra que: “O ser humano não é uma criatura branda, ávida de amor (...) mas deve incluir, entre seus dotes instintuais, também um forte quinhão de agressividade (...) Via de regra, essa cruel agressividade aguarda uma provocação” (Freud. O mal-estar na civilização. Trad.: P. C. Souza. Cia das Letras, 2010, p. 76); que pode ser um simples filme que aplaude a violência.

Mas fiquemos com o diretor: sua grandeza está em não “inventar”, mas denunciar, desmascarar uma violência que se oculta diariamente sob o tapete da hipocrisia e desinformação. Por meio de um Coringa que devolve à sociedade o mesmo sadismo recebido dela, questiona-se: quantos Coringas não há em nossa volta? Que necessitam de um mero gesto de amor ou atenção para se salvarem de si mesmos; ou uma ligeira negligência ou alusão para explodirem em abjeção?

O Coringa poderia ter sido salvo, mas não foi, e todos pagamos por isso – esse é o mote do filme conforme minha análise. Se o amor familiar fosse mais forte do que sua falsa ostentação, se os cortes do Estado abatessem privilégios e não remédios, se a sociedade mirasse a auto-sustentabilidade, e não o que Paul Ricoeur define com o “lugar de confronto entre parceiros rivais” (Ricoeur, P.. Amor e justiça. Trad.: E. Brandão. Martins Fontes, 2012, p. 21): ninguém morreria e nem sofreria tanto.

O Coringa não foi acudido, como infinitos Coringas reais não o são. Vítima das mais diversas humilhações, implodem contra tudo e todos.

Palmas a todas as entidades e pessoas que ajudam a salvar (e salvar-nos de) nossos Coringas. Ainda há muitíssimo por fazer, e se faz isso não só domingo na missa. Jesus Cristo foi o imortal missionário da lição de que essa missão é bem mais simples do que parece: basta às vezes um olhar, um gesto, um cuidado. Não tratar o diferente e prejudicado como excluído, invisível, sem dignidade e que só estraga a paisagem. Basta, na prática, e não apenas em palavras, não odiar e humilhar. Salvar os Coringas de si mesmos significa também salvar-nos deles. Portanto é um dever ético e político semear o amor, a cultura e a compreensão, e não o ódio, a rivalidade e a exclusão.

 

 

 

 

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