Delegado alerta para persistência de agressores em tratar parceiras como objeto

Coordenador da UIP-8 indica que a frase “se não é minha não é de mais ninguém” é percebida em muitos registros de ocorrências de feminicídio na região de Presidente Prudente

PRUDENTE - CAIO GERVAZONI

Data 19/03/2023
Horário 06:20
Foto: Cedida/ Everson Contelli
“Comemoremos o 8 de março, mas cientes de que mulheres brasileiras estão sangrando diariamente, sob o véu da indiferença e da maldade do não pensar”, pontua o delegado Everson Aparecido Contelli
“Comemoremos o 8 de março, mas cientes de que mulheres brasileiras estão sangrando diariamente, sob o véu da indiferença e da maldade do não pensar”, pontua o delegado Everson Aparecido Contelli

Complementando a abordagem sobre o combate a violência de gênero no oeste paulista, o delegado Everson Aparecido Contell, que coordena a UIP-8 (Unidade de Inteligência Policial) de Presidente Prudente e é mestre e doutorando em Direito pela Uenp (Universidade Estadual do Norte do Paraná), traz seus pontos de vista a respeito do tema e da recente divulgação da Polícia Civil acerca dos casos de violência doméstica e feminicídio na região de Presidente Prudente.

Para o delegado, as principais causas de violência doméstica na região espelham aquilo que ocorre no restante do país, onde o machismo e a diminuição da mulher em sua condição de ser humano e de seu patamar de igualdade de tratamento são preponderantes nesses casos de agressões. “Em termos históricos é evidente que são modificações recentes [o direito ao voto, as conquistas trabalhistas e todos os demais reequilíbrios] e que precisam ser reafirmadas diariamente, porém, na prática, a despeito desses avanços, alguns agressores persistem em tratar suas esposas ou namoradas como objeto”, inicia Everson. “A palavra é forte, mas é isso que parece ocorrer, de tal modo que a sensação de posse e o controle, especialmente em algum momento de crise familiar, constituem a quase totalidade das causas dos feminicídios de nossa região, daí a frase percebida em muitos registros ‘se não é minha não é de mais ninguém’. Esse é o ponto que precisamos superar e, por isso, estamos a afirmar que o sistema de justiça criminal tem sido insuficiente para evitar os 38 feminicídios, infelizmente catalogados em uma planilha fria, somente na região de Presidente Prudente”, expõe o delegado.

Contelli revela que ficou muito surpreso quando teve acesso aos dados da Polícia Civil que revelaram o cumprimento de 3.490 medidas protetivas de urgência na região.  “É um número muito alto, mas serve para uma verdadeira reflexão de todos nós. Enquanto policial civil o que podemos fazer para fornecer uma investigação criminal qualificada que repercuta não apenas na higidez processual, mas também para que acione as demais funções da investigação, como seus efeitos sociais e humanitários. Enquanto cidadão, sociedade, onde erramos ao longo da história? Não podemos nos acostumar com a violência, com a banalização do mal. Olha, não dá para observar esses dados e fingir que este assunto não nos interessa”, pontua o especialista.  

 

ESTUDO            

O estudo da Polícia Civil de Presidente Prudente aponta que 81,58% das vítimas de feminicídio analisadas não dispunham de medidas protetivas de urgência. Segundo Contelli, este dado revela que as mulheres que conseguem iniciar o rompimento do ciclo de violência doméstica têm mais chances de sobreviver. “Note-se, ademais, que somente na região de Presidente Prudente, em 2022, foram registrados mais de 4.447 casos de violência contra a mulher e cumpridas pela Polícia Civil de São Paulo 3.490 medidas protetivas de urgência”, indica o delegado.

A pesquisa ainda revelou que 75% dos feminicídios ocorreram em finais de semana, com uma maior tendência na madrugada de domingo para segunda-feira e que na região, 10 dos 38 agressores, ou 26,31% dos homens cometeram suicídio na sequência.  Para Contelli, este cenário para além “de reafirmar a tragédia familiar e humanitária, traz a reflexão sobre a falência pela busca exclusiva da pena privativa de liberdade como simples solução para o comportamento humano indesejado, traduzido aqui como decorrência de problemas sociais, de saúde e segurança pública, que aflige nossa sociedade pós-pandemia”.

 

QUAL A RELAÇÃO ENTRE A VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA E OUTROS TIPOS DE CRIME?

Questionado se é possível estabelecer uma a relação entre a violência contra mulheres e outros tipos de crimes, como o tráfico de drogas e o crime organizado, na região do oeste paulista, o delegado afirma que não há nenhuma relação direta comprovada. “Até pela diferenciação dos bens jurídicos tutelados, ou seja, aquilo que cada crime pretende proteger. Por evidente que em ambientes tendentes a prática criminosa há maior possibilidade de registro de outros tipos penais, porém no que tange à violência doméstica a pesquisa nada identificou que correlacione. De forma indireta, porém, se analisarmos as consequências do crime organizado e do tráfico de drogas como responsáveis por problemas sociais, econômicos e de saúde coletiva, evidentemente teremos uma repercussão, especialmente quando analisamos que existe uma tendência em nossa região de as vítimas de feminicídio se situarem em uma menor faixa de renda”, observa o especialista.  Para ele, a partir do estudo, a violência doméstica atinge todas as classes sociais, porém no oeste paulista existe uma tendência de vítimas de menor renda, ou com dificuldade na reafirmação profissional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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