Desculpe-me

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 16/10/2022
Horário 04:16

Há pouco mais de um ano eu perdi o meu pai para um agressivo câncer na garganta. Dizem os médicos que foi o cigarro, mesmo com o vício interrompido há 30 anos. Sua partida foi marcada por dificuldades adicionais do atendimento hospitalar no auge da pandemia ainda que não haja registro de que ele tenha sido infectado pelo vírus da Covid-19. Estava com 40 quilos a menos. Ofegante. Apenas deu seu último e lento suspiro e entregou seu debilitado corpo à própria sorte para se transformar numa voz que soa dentro de mim. Ideias, sentimentos, sorrisos largos, lágrimas quase envergonhadas, boas surras, broncas ríspidas, situações cômicas (muitas), pequenas passagens marcantes da vida.

Não é difícil imaginar como seriam nossas discussões no atual momento político do país. Certamente estaríamos em lados opostos. Os valores morais seriam mais importantes do que os programas dos partidos. Ele estaria mais atento aos fatos e realizações dos candidatos (mesmo que consultando fontes não muito confiáveis) e não se importaria nem um pouco com as diferenças das propostas. Diria ele que “os sonhos não enchem a barriga de ninguém”. E por qualquer razão começaríamos uma briga, seja porque ele tratava de modo desigual os meninos e as meninas ou porque não respeitava da mesma forma as pessoas com diferença de escolaridade. Nada muito diferente do que estão vivendo as famílias nos últimos dias, não é mesmo? Tamanha discórdia vale mesmo a pena?

Acordei com vontade de pedir desculpas para o meu pai.  Muitas cenas ríspidas que tivemos me parecem hoje até divertidas, cômicas. Lembro de um diálogo que tivemos quando adolescente. Eu insistia em sair para a festa com a calça do pijama e meu pai me encurralou no corredor dos quartos, indagando acerca daquele absurdo. No meio da discussão começamos a rir e percebemos a situação ridícula que nos encontrávamos. São lembranças desse tipo que fazem a vida dele pulsar em mim. Não são lembranças tristes. Elas se misturam com situações vividas intensamente. Aquelas bagunças produtivas na cozinha, as longas viagens de carro para Uberlândia ou Presidente Prudente. As aventuras pela Amazônia e os gigantes rios cercados de jacarés, macacos, onças. Bons restaurantes e programas de TV: concertos musicais, debates e mesas redondas esportivas. Não adianta remoer de saudade, de se ater nos arrependimentos. Não temos controle da vida o tempo todo.... “Deixa a vida me levar. Vida leva eu. Deixa a vida me levar. Vida leva eu”. Bom dia, papi. Eu sou você em mim.   

 

 

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