Eleições na Argentina: uma lição sobre equilíbrio e política

OPINIÃO - Wilson Pedroso

Data 29/10/2023
Horário 05:00

O mundo todo recebeu com certa surpresa o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina, realizado no último domingo. O peronista Sergio Massa obteve mais de 36% dos votos e tomou a dianteira da disputa. O bom desempenho do candidato, que é ministro da Economia, era considerado pouco provável uma vez que apenas uma pesquisa, de um total de pelo menos 12 realizadas no país, conseguiu acertar o resultado da votação.
Os levantamentos de intenção de votos apontavam o deputado Javier Gerardo Milei, candidato ultraliberal, como preferido do eleitorado argentino. No entanto, ele ficou em segundo lugar com 29,98% dos votos. Isso quer dizer que as pesquisas erraram? Não, elas eram um retrato do dia em que foram realizadas. Mas política não é uma ciência exata, pelo contrário, é extremamente mutável. E as pessoas mudam de opinião. Prova disso é que nas eleições primárias, realizadas no mês de agosto, Milei havia obtido o melhor desempenho, com Massa em segundo.
Durante as primárias, o povo argentino mandou um recado ao governo, de descontentamento com o delicado momento econômico enfrentado pelo país. O noticiário argentino aponta que o quilo da carne passou de 290 pesos em 2019 para 2,9 mil pesos em 2023. O croissant saltou de 40 pesos para 280 pesos no mesmo período. Com mesas menos fartas, os argentinos reprovam o governo atual, do qual Massa faz parte. Pesquisa realizada pela Universidade de San Andrés, em julho de 2022, mostrou que, à época, o índice de reprovação do presidente Alberto Fernández era de 75%.
Apesar da insatisfação, o fato é que mais da metade da população depende de algum tipo de benefício social do governo e os eleitores, especialmente os idosos, que são ainda mais vulneráveis, não quiseram arriscar o futuro e apostar em um panorama carregado de incertezas, com as mudanças radicais de direita propostas por Milei. Ou seja, recai sobre as eleições na Argentina, assim como em toda a América Latina, um fator, determinante na hora do voto, chamado pobreza.
Os reflexos econômicos da disputa eleitoral argentina, cujo segundo turno ocorre em 19 de novembro, serão sentidos também no Brasil. Temos, com o país vizinho, um forte histórico de relações políticas e econômicas, além das questões geográficas de fronteira que também são importantes. Uma possível vitória de Massa deixará o governo brasileiro em situação mais confortável, de alinhamento de políticas econômicas e sociais de esquerda.
Por outro lado, Milei já anunciou que, caso eleito, pretende deixar o Mercosul e cortar relações com o Brasil. Tais medidas podem ter apelo popular, porém encontram pouca aplicabilidade, dada a importância dos arranjos econômicos, de importação e exportação, firmados entre os dois países. Uma ruptura, neste momento, pode trazer sérias consequências para ambas as nações, sendo ainda mais desastrosa para a própria Argentina. Milei está blefando? Só saberemos com sua eventual eleição.
Seja qual for o resultado, as disputas políticas da Argentina nos mostram que o eleitorado está mais distante, com um índice de abstenção próximo a 25% no primeiro turno. O mesmo cenário foi observado no Brasil em 2022, quando o número de abstenções chegou a mais de 31 milhões, o que representa 20% dos cidadãos aptos a votar e a maior porcentagem desde 1998. Em meio às disputas eleitorais, cada vez mais radicalizadas entre direita e esquerda, há uma parcela crescente da população que se sente pouco representada e atraída pelos discursos raivosos de polarização.
 Os eleitores buscam equilíbrio. A classe política ainda precisa compreender esse fenômeno com maior profundidade.
 
 

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