Eu sei que a Páscoa é uma festa religiosa com um significado profundo. Ela é muito mais antiga do que o cristianismo e guarda histórias de ritos de passagem e de travessias de povos nômades que viviam do pastoreio e que comemoravam a chegada da primavera. O povo hebreu associou a Páscoa com a libertação da escravidão dos egípcios e a concessão da terra para obter o alimento, morar e criar a família. Para os cristãos, o domingo de Páscoa simboliza a passagem da morte para a vida. É uma oportunidade para repensarmos o que estamos fazendo de nossas vidas. É um recomeço. Não há como desconsiderar o significado profundo deste tipo de comemoração, independente de religiões ou do credo de quem quer que seja.
Infelizmente, pelo segundo ano consecutivo, a festa foi prejudicada por uma peste que assola todas as partes do mundo. E no Brasil, atual epicentro da pandemia, deveria se manter o manto do silêncio vivido pelo choro e perplexidade diante da morte de mais de 320 mil pessoas! Sei que o papa Francisco enviou uma mensagem para nós, lida na língua portuguesa, nos exortando “a não permitir nunca que nos roubem a esperança e a alegria”, mas está muito difícil encontrar motivos para comemoração num ambiente tão desolador. O que eu vejo na minha frente são imagens de solidão, ausência de significado e desgaste das palavras.
Dramática situação como esta me fez lembrar do teatro do absurdo, denominação que agrupou obras teatrais de diferentes países do período pós-guerra, mas que guardavam entre si algumas críticas comuns ao teatro convencional: a ênfase na palavra, a tendência ao realismo e ao psicologismo dos personagens. Era preciso despojar-se da convenção da língua, ultrapassar as convenções psicológicas. Daí um teatro dos gestos, das atitudes, antitemático, anti-social-realista, antipsicologia de boulevard. A descoberta de um novo teatro livre!
O Brasil está mais para “Esperando Godot”, expoente obra do teatro do absurdo, escrita por Beckett em 1949. Sua revolucionária narrativa nos leva por uma tragicômica trama entre Vladimir e Estragon, que esperam numa estrada por um sujeito que se chama Godot. Acontece que a peça não tem história, as falas e as ações dos personagens não são conexas. Nada é esclarecido a respeito de quem é Godot ou o que eles desejam dele. E tudo isso é de uma simplicidade aparente. A espera sem sentido por Godot, uma pessoa que talvez nem exista, exige o preenchimento do vazio por especulações inúteis. Não há conclusão! Não há sobretudo solução para a espera! Este é o retrato do Brasil neste triste domingo de Páscoa.