Estamos no Show de Truman

OPINIÃO - Matheus Teixeira

Data 05/11/2020
Horário 04:35

Vinte e dois anos antes de a Netflix lançar o tão falado docudrama “O Dilema das Redes” (EUA; 2020; direção de Jeff Orlowski), entrava em cartaz “O Show de Truman – O Show da Vida” (EUA; 1998; direção de Peter Weir). A sinopse diz: “Truman Burbank (Jim Carrey) é a estrela de ‘O Show de Truman’, um fenômeno da TV que vai ao ar 24 horas por dia e transmite todos os aspectos da sua vida sem o seu conhecimento”. Para quem ainda não o viu, vale a pena! Afinal, indiretamente há muita semelhança deste clássico filme com os dias atuais. É capaz de nos levar a refletir sobre o mundo real, embora seja ficção.
Ainda que, diferentemente de Truman, demos de livre e espontânea vontade diversas informações sobre nós mesmos pela internet, parece que a maior parte das pessoas não tem real conhecimento da dimensão que essa atitude possa ter. No inconsciente coletivo, o conteúdo interessante na web é sempre a publicação nova que irá surgir, como se as postagens de ontem ou do mês passado sumissem ou nunca tivessem sequer existido. No entanto, elas existem e continuam vagando pelo ciberespaço – dependendo da situação, podem ser acessadas mesmo após terem sido apagadas.
É por isso que podemos estar (e certamente estamos) sendo rastreados 24 horas por dia sem nem ao menos nos darmos conta disso, tal qual o inocente Truman. Da mesma forma que o personagem tem seus telespectadores, podemos ter pessoas físicas e jurídicas que acompanham nossas vidas – e não estou falando de listas de seguidores em determinadas redes sociais virtuais. Estou falando que podemos estar sendo observados num “nonopticon”. De acordo com Siva Vaidhyanathan, diretor do Centro de Mídia e Cidadania na Universidade da Virgínia (EUA), “nonopticon” significa que nunca se sabe se estamos sendo vigiados ou não, por quem e com que nível de detalhamento.
Nossos dados são mercantilizados em tempo real e somos reféns permanentes dos algoritmos, conforme expõe Lucia Santaella, pesquisadora livre-docente pela USP (Universidade de São Paulo). Obviamente, todo esse cenário esbarra na privacidade, direito que parece estar se esvaindo cada vez mais. Testemunhamos inúmeras conversas sendo expostas diariamente a partir de capturas de telas (print screens), o aumento exorbitante de números de WhatsApp clonados e tantos outros crimes cibernéticos. Eles continuarão sendo praticados, e muitos poderão ser evitados se nos expusermos menos e se os órgãos governamentais e as empresas privadas de fato resguardarem nossa segurança.
Não se trata de viver em pânico em meio à tecnologia, mas saber que, entre curtidas, compartilhamentos e visualizações, qualquer conteúdo pode parar até nas mãos de quem jamais conheceremos, seja um curioso inofensivo ou um criminoso. Sem dar spoiler, cada um de nós terá um desfecho diferente ou parecido com o de Truman Burbank?
 

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