Estudo mostra que leishmaniose visceral avança do oeste paulista em direção à capital

Expansão rumo à área metropolitana de São Paulo tem rodovias como pano de fundo, especialmente a Marechal Rondon; progressão está ligada a fatores ambientais

PRUDENTE - DA REDAÇÃO

Data 20/08/2025
Horário 16:43
Foto: Homéro Ferreira
Artigo tem envolvimento de Luiz Euribel, Rodrigo Sala Ferro, Rogério Giuffrida e Edilson Flores
Artigo tem envolvimento de Luiz Euribel, Rodrigo Sala Ferro, Rogério Giuffrida e Edilson Flores

Estudo desenvolvido em Presidente Prudente e publicado recentemente em importante revista científica europeia mostra que a leishmaniose visceral avança em direção a São Paulo, com cães contaminados e pessoas diagnosticadas com a doença em cidades próximas à região metropolitana. A doença provocada por um parasita (Leishmania infantum) e transmitida pelo mosquito-palha (flebotomíneo Lutzomya longipalpis) tem como principal reservatório o cão doméstico e o homem como hospedeiro definitivo.

O avanço ao longo dos anos tem acontecido a partir do oeste paulista, que tem Presidente Prudente como sede de região administrativa. A região faz divisa com Mato Grosso do Sul, porta de entrada do parasita, que veio da Bolívia.

O Brasil, juntamente com a Etiópia, o Quênia e o Sudão, concentra cerca de 60% dos casos em nível global, de acordo com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).

A LV (leishmaniose visceral) é uma doença tropical negligenciada. Sua distribuição ocorre em escala global, estando presente em 76 países, sendo endêmica em 12 países das Américas. O Brasil é o país com maior número de casos na região sul-americana, representando cerca de 97% do total de casos. 

Métodos geoespaciais

Com abordagem One Health (Saúde Única), o estudo analisou a distribuição espacial da LV utilizando métodos geoespaciais integrados; e a tendência temporal da LV para avaliar o impacto da pandemia de Covid-19 na ocorrência de casos.

Também utilizou, como parte dos objetivos, tecnologias geoespaciais para identificar municípios com maior vulnerabilidade para priorizar os esforços de vigilância e controle da LV no Estado de São Paulo.

Desde 1999 (quando foram registrados os primeiros casos no Estado de São Paulo) até 2022, o vetor Lutzomyia longipalpis foi detectado em 32,4% dos municípios, com cães portadores da doença em 29,0% e indivíduos infectados em 18,0%.

A região oeste, caracterizada por geomorfologia de planalto, desmatamento elevado e temperaturas mais elevadas, foi responsável por 30,6% dos municípios considerados de alto risco para leishmaniose visceral, reforçando a região como status prioritário para controle e vigilância.

O estudo conclui que há redução progressiva de novos casos de indivíduos infectados ao longo dos anos, porém a letalidade está aumentando. Embora os casos tenham permanecido estáveis durante a pandemia de Covid, as taxas de letalidade aumentaram.

Vigilância e intervenções

Embora o número de casos de LVH (leishmaniose visceral humana) no Estado de São Paulo tenha diminuído ao longo do tempo, o surgimento contínuo de casos em novos municípios ressalta a disseminação espacial contínua da doença.

O que implica na necessidade de vigilância persistente e intervenções direcionadas a ações efetivas de saúde pública. A análise espacial revelou disseminação contínua do flebotomíneo Lutzomyia longipalpis, o reservatório da LVC (leishmaniose visceral canina).

O mesmo tem acontecido com o hospedeiro definitivo, isto é, indivíduos infectados

A LVH tem avançado da região oeste para leste em direção à área metropolitana de São Paulo, tendo as rodovias como pano de fundo para a dispersão do vetor, cães infectados e pessoas.

A rota principal é a Rodovia Marechal Rondon (SP-300), que, em seus 558 km, corta 36 municípios: de Castilho (SP), na divisa com Três Lagoas (MS), até Itu (SP), a 93,8 km de São Paulo.

A progressão está intimamente ligada a fatores ambientais, como temperaturas mais altas e desmatamento, ressaltando o papel significativo das mudanças climáticas na formação da dinâmica de transmissão da LV.

Aumento de letalidade

A região oeste de São Paulo foi identificada como área crítica, com clusters (agrupamentos) de alto risco e que exigem atenção prioritária para medidas intensificadas de vigilância e controle.

“Embora o número total de casos de LV tenha diminuído, o aumento das taxas de letalidade continua sendo uma preocupação significativa”, explica o médico infectologista Luiz Euribel Prestes Carneiro, orientador do estudo.

“O controle eficaz da LV exige uma abordagem multidisciplinar de Saúde Única que integre as perspectivas de saúde humana, animal e ambiental”, pontua para dizer que os desafios de enfrentamento requerem colaboração intersetorial.

Portanto, vai além do setor de saúde tradicional. “Esses esforços são vitais para melhorar os resultados clínicos e promover estratégias de controle sustentáveis para a LV nos próximos anos”, afirma.

O estudo foi produzido em contribuição interinstitucional e fez parte da dissertação do médico infectologista Rodrigo Sala Ferro, no mestrado ofertado pelo PPGMadre (Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional), da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista).

Áreas prioritárias

Rodrigo e Luiz Euribel são professores na Famepp (Faculdade de Medicina de Presidente Prudente), da Unoeste, sendo que Euribel também leciona e conduz pesquisas no PPGMadre e no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde.

O estudo é resultante da dissertação de mestrado de Rodrigo e tem o título “Tecnologias geoespaciais para identificar áreas prioritárias para vigilância e controle da leishmaniose visceral no Estado de São Paulo, Brasil: adotando uma abordagem integrativa de Saúde Única”.

As instituições envolvidas são a FCT/Unesp (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista), por meio do Departamento de Estatística, e o Instituto Adolfo Lutz, por intermédio do Centro de Parasitologia e Micologia.

Tem ainda a Secretaria Estadual de Saúde, pelo Instituto Pasteur, por meio da Coordenação de Controle de Doença e do Centro de Vigilância Epidemiológica Professor Alexandre Vranjac, vinculado à mesma secretaria.

Demais autores do artigo: o médico Felipe Leonardo Semensati e os doutores Elivelton da Silva Fonseca, Rogério Giuffrida, Edilson Ferreira Flores, Roberto Mitsuyoshi Hiramoto, Osias Rangel, Silvia Silva de Oliveira Altieri e Rosana Leal do Prado. 

O artigo está disponível no Pubmed (pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40708344).

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