Tenho acompanhado as encíclicas publicadas pelo papa Francisco. Certamente, elas se transformarão num marco deste confuso período no qual vivemos. Como é bela “Laudato Si” em sua convocação para o cuidado com nossa casa comum: o planeta Terra. Logo em seguida, dois encontros históricos. O primeiro deles com o Ímã Ahmed Al-Tayeb, a maior autoridade do Islã Sunita, encerrando dez anos de tensão entre as igrejas. E o segundo, no sínodo dos bispos sobre a Amazônia, com as principais lideranças indígenas da região, quando o papa Francisco demonstrou profundo respeito aos povos originários e ao direito deles planejarem seu próprio futuro. Agora, temos “Fratelli Tutti”, um manifesto em favor da amizade e da fraternidade. Um compromisso com os mais pobres, os abandonados, os descartados, os últimos”. Um ato político em tempos “do fim da consciência histórica”, dos “sonhos desfeitos em pedaços”, do medo e do estado de guerra permanente, “dos direitos humanos não suficientemente universais”. Enfim, “das pandemias e outros flagelos da história”.
Convocado à fraternidade universal de “Fratelli Tutti”, me senti no direito de dar asas à imaginação, e me vi diante de um diálogo onírico de Francisco com o Deus Maia u Qux Cah - considerado o “Coração do Céu”. Mas também Olorum, ente divino dos povos da costa da Guiné e regiões vizinhas.
Francisco encontrava-se em seu escritório e rascunhava a nova encíclica. Subitamente lhe veio uma intuição e, assim, indagou:
Ó Coração do Céu, o que seria do mundo sem os homens?
E, sem titubear, o Deus Maia respondeu:
“Tudo estava imóvel, em repouso sob o céu. Só havia o mar liso, sozinho, sereno. Nada existia ainda. Tudo estava em silêncio e deserto no escuro, na aurora”.
Ouvindo atentamente o amigo, Olorum complementou:
“No começo, o mundo era todo pantonoso e cheio d’água, um lugar inóspito, sem nenhuma serventia. Acima dele havia o céu, onde viviam todos os orixás, que às vezes desciam para brincar nos pântanos insalubres. Desciam por teias de aranha penduradas no vazio”.
Francisco ficou em silêncio por alguns instantes. Esqueceu que estava diante de ilustres visitantes e se distraiu com a notícia que tinha escutado a respeito de uma das descobertas mais fascinantes dos últimos tempos: o registro dos sons do universo....O mais impressionante é que no meio da sinfonia galática (sim, cada planeta vibra numa nota musical!) há um som de fundo dos resquícios do Big Bang em forma de uma onda...
Retornando de seu devaneio, Francisco relê seus rascunhos e conclui em voz alta:
- Se a origem do mundo foi uma espécie de sopro primordial, nosso planeta jamais foi um lar pronto para usar... nosso mundo criou a si mesmo e vibra em Si Bemol.