Garcia da Orta - Goa

António Montenegro Fiúza

«Mil árvores estão ao céu subindo,
Com pomos odoríferos e belos;
A laranjeira tem no fruito lindo
A cor que tinha Dafne nos cabelos.
Encosta-se no chão, que está caindo,
A cidreira cos pesos amarelos;
Os formosos limões ali cheirando,
Estão virgíneas tetas imitando.»
Os Lusíadas, canto IX, Luís Vaz de Camões

Especiarias e sonho, prata e seda, pedras preciosas e couro, das Índias chegavam uma infinidade de riquezas, muito além do que era conhecido e imaginado. Território tropical úmido, com flora exuberante e subsolo opulento, ponto de encontro de variadíssimas culturas, povos e saberes, mantemo-nos por um pouco mais de tempo, em Goa, onde se produziu um dos bens mais preciosos da humanidade: o conhecimento.
Não apenas poesia e lirismo, mas conhecimentos médicos de vanguarda foram concebidos nesse território luso – asiático. Rompendo as tendências e teorias reinantes e apresentando estudos diferenciados sobre botânica e cura, decorria o ano de 1563, quando o médico português Garcia da Orta editava “Colóquio dos Simples e Drogas e Coisas Medicinais da Índia”, uma obra revolucionária e visionária, que viria a mudar a medicina, a nível mundial.
Ao longo de 58 capítulos/colóquios, o exímio investigador e cientista apresenta uma descrição aprofundada das características botânicas, origem, propriedades e usos terapêuticos de variadíssimas plantas – a primeira a ser feita, até então, por um europeu. Rompendo os paradigmas reinantes, não se limitou à observação clínica e ao estudo dos sintomas e da medicação, apresentou um estudo de compleição médica, no qual opunha o conhecimento acadêmico e teórico, ao adquirido ao longo da prática e da investigação – uma dicotomia dialógica, na qual ambas as partes foram valorizadas.
Num momento em que todo o conhecimento científico era escrito em latim, Garcia da Orta – orgulhoso da sua língua e fundando-se nela – escreveu em língua portuguesa, enaltecendo e enobrecendo-a; e fê-lo de forma ainda mais ilustre e notável, ao apresentar a primeira poesia impressa de Luís de Camões, na mesma obra.
Elevamos, assim, Goa – pequeno Estado indiano e mãe de duas grandes obras (uma lírica e outra científica, como grande estandarte e baluarte da língua portuguesa – esta nação que toca todos os cantos da Terra.

«As árvores agrestes, que os outeiros
Têm com frondente coma enobrecidos,
Álemos são de Alcides, e os loureiros
Do louro Deus amados e queridos;
Mirtos de Citereia, cos pinheiros
De Cibele, por outro amor vencidos;
Está apontando o agudo cipariso
Pera onde é posto o etéreo Paraíso.»
Os Lusíadas, canto IX, Luís Vaz de Camões
 

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