Encerrando o ciclo de palestras do 4º Simpósio Unilab de Medicina Laboratorial, o infectologista Dr. Paulo Eduardo Mesquita trouxe um alerta sério e atual: a sífilis gestacional continua sendo um grande desafio para a saúde pública. Com base em dados da Vigilância Epidemiológica da região (GVE 21), onde atua, o médico mostrou um "aumento significativo nas notificações de sífilis em gestante", destacando que, apesar de ser uma doença de diagnóstico relativamente simples, ela persiste como uma realidade preocupante nos consultórios.
Dr. Paulo, que é professor há 31 anos na Unoeste e atua no Hospital Regional de Presidente Prudente, guiou a plateia por uma revisão completa da história natural da doença, dos obstáculos no diagnóstico e das condutas essenciais para o sucesso do tratamento e prevenção da transmissão vertical.
A janela de oportunidade do diagnóstico e as armadilhas sorológicas
O especialista explicou que a sífilis primária, marcada pelo "cancro duro" (uma úlcera indolor), tem um período de incubação que pode variar de dez a 90 dias. "Se tiver lesão genital ativa no momento do nascimento, a chance do feto se infectar é bastante grande", alertou. No entanto, a maioria das gestantes recebe o diagnóstico exclusivamente por meio da triagem sorológica de rotina no pré-natal, sem nunca ter percebido qualquer sintoma.
Foi neste ponto que o Dr. Paulo dedicou atenção especial, explicando a dinâmica entre os testes treponêmicos (como FTA-ABS) e os não treponêmicos (como o VDRL). Ele alertou para as "armadilhas" que podem dificultar o diagnóstico, como a solicitação do exame em um momento muito precoce, quando o corpo ainda não produziu anticorpos detectáveis.
"Já aconteceu em consultório... o doente chegar com a lesão ulcerada... pedir a sorologia e vir negativo", contou, relatando um caso em que o paciente insistia ter sífilis. "No segundo teste, ele soroconvertreu. E ele ‘tava’ certo". Outras causas para resultados complicados incluem imunossupressão, o próprio estado de gestação – que pode causar falsos positivos no VDRL – e o raro "efeito prozona", onde a alta concentração de anticorpos impede a reação.
Tratamento: rigor com as datas e a parceria do companheiro
Diante da dificuldade em estabelecer com precisão o tempo de infecção (se recente ou tardia), a conduta mais prudente, segundo o infectologista, é tratar a gestante como portadora de sífilis latente tardia. Isso significa o esquema de três doses semanais de penicilina benzatina, totalizando 7,2 milhões de unidades.
O Dr. Paulo foi enfático ao destacar a importância do rigor no tratamento:
• Parceiro tratado junto: "O parceiro sexual deve ser tratado obrigatoriamente junto". Ele inclusive entrega receitas e uma planilha de datas para ambos assinarem.
• Intervalo máximo de 7 dias: "Nunca pode ser maior do que sete dias, se for maior... queimou o tratamento, precisa começar tudo da estaca zero de novo".
• Uso de preservativo: Deve ser mantido até a conclusão do tratamento do casal para evitar reinfecção.
• Alergia à penicilina: Relatos devem ser levados a sério, mas, se confirmada a alergia, a gestante precisará passar por um processo de dessensibilização em ambiente hospitalar, já que a penicilina é o único medicamento eficaz para prevenir a transmissão para o bebê.
"Aun Aprendo": O elogio ao aprendizado contínuo
Para finalizar sua apresentação, o Dr. Paulo Mesquita surpreendeu a plateia ao mostrar uma imagem do pintor espanhol Francisco Goya. Ele exibiu um autorretrato do artista já idoso, feito a carvão, com a anotação "Aun aprendo" (Ainda aprendo).
"Que o exemplo do Goya nos sirva de estímulo pra tá sempre fazendo o que a gente tá fazendo hoje à noite", declarou, transformando a palestra em um elogio à educação continuada e à humildade profissional necessária para enfrentar desafios persistentes, como a sífilis congênita. O momento serviu como uma reflexão inspiradora sobre a missão do profissional de saúde em buscar constantemente o conhecimento para salvar vidas.