Interação entre jovens e idosos resgata valores ao mundo moderno

- GABRIEL BUOSI

Data 26/09/2018
Horário 08:04

Muito se fala sobre a geração Z, dos jovens que representam o presente e o futuro da nação, e pouco se recorda que as tradições e costumes de hoje em dia são variações comportamentais que passam entre gerações e por um grupo que hoje é conhecido por “idosos”. De acordo com o psicólogo Guilherme Carvalho, entre os fatores que influenciam para certas dificuldades no relacionamento destes grupos está a vida “mais restrita” que a terceira idade tinha há alguns anos, estilo de vida que é questionado pelos mais novos, que foram “domesticados” a viver em uma nova forma.

Ainda conforme o especialista, vivemos atualmente uma transição entre dois mundos, o analógico e o digital, quando nos deparamos com pessoas que davam muito valor à escrita, documentos, certidões, contratos, e, principalmente, à palavra, costume esse que mudou de perspectiva para os dias de hoje. “A geração dos nossos avós entra agora em um mundo em que tudo é muito rápido, instantâneo, o mundo da tecnologia. Essas pessoas tinham uma vida muito restrita e, por isso, são muito questionadas sobre seu estilo de vida por parte dos mais novos, que já nasceram neste novo mundo e lidam muito melhor com a liberdade comportamental”. A incompreensão de realidades, desta forma, dificulta as relações, conforme Guilherme.

Quando realizada de maneira correta, no entanto, essa interação faz com que os mais novos tenham contato com pessoas que pensavam em direcionar suas vidas, atrelavam valores na sua caminhada, pensavam em trabalho e dedicavam seu tempo à família. “Esse contato faz com que, além do resgate de valores, haja uma atualização dos mesmos. E para os idosos é bom, para que vejam que há outras maneiras de pensar, viver, e escolher carreiras e parceiros. Não dá mais para ser padronizado”, salienta.

Boas experiências

Segundo a geriatra Giovana Beatriz Artoni, o contato com idosos dentro dos consultórios é satisfatório no que diz respeito à interação deste público com os jovens, já que são maioria os casos em que netos levam os avós para as consultas. “Vejo que eles sabem cuidar e transformar os mais velhos em amigos. Esse elo que se cria está muito relacionado com a forma com que essa pessoa foi criada na sua infância e a imagem que lhe foi passada sobre o respeito aos idosos”.

No entanto, há sim uma parcela de pacientes que, segundo a especialista, reclama da falta de zelo, cuidado, atenção e conversa com os idosos, que são “apaixonados” pelo contato físico, palavras de afeto e amor. “São valores que muitas vezes acabam se perdendo, mas são fundamentais para essa relação”.

PERFIL

                                                   Fotos: Arquivo pessoal

Koodo Hasegawa tem 94 anos e participa como modelo das fotos da loja da neta Milena

Milena é designer de moda e afirma ter boa relação com a terceira idade, inclusive com seus avós

Nome: Milena Hasegawa Saito

Profissão: Designer de moda

Faculdade de formação: Universidade Estadual de Londrina (PR)

Cidade em que vive: Presidente Prudente

Como é sua relação com a terceira idade de forma geral?

De forma geral, me relaciono bem. Confesso que não tenho muita experiência e contato direto com a terceira idade, apenas com os avós que moram comigo. São pessoas com o próprio tempo e ritmo de vida. A sociedade nos impõe um ritmo aceleradíssimo, por isso, às vezes é tão difícil aceitar e conviver com o ritmo deles, mas é de extrema importância que a gente aprenda.

Como e de onde surgiu a ideia de trabalhar uma loja de roupas no Instagram?

Quando me formei, voltei a morar aqui em Presidente Prudente. Sempre esteve muito claro em minha mente que não fazia sentido em não aproveitar toda essa rede de interação que a internet nos proporciona. Através da internet, a gente consegue expor nosso trabalho de forma direta e ter um feedback muito rápido disso. O Instagram foi consequência, foi por onde eu comecei a ter mais retornos e visualizações, foi o meio em que eu consegui melhor alcançar meu público. Mas isso eu fui descobrindo com o tempo.

E de onde surgiu a ideia de inserir o seu avô nas fotos de divulgação? Há quanto tempo isso ocorre?

A marca existe há quase quatro anos e eu não lembro quando foi exatamente que comecei a fotografar meu avô. Um dos conceitos da marca é a liberdade de ser e vestir o que você quiser, livre de rótulos, gêneros e idade. Como eu faço tudo sozinha e as produções acontecem de forma dinâmica e orgânica, tive esse insight de usar meu avô [Koodo Hasegawa, 94 anos] como modelo quando eu precisava fotografar as roupas em um corpo masculino. Achei a ideia genial, já que casaria perfeitamente com a essência da marca.

Como ele se comporta diante dessa ideia e durante as fotos?

Meu avô é mais tímido e quieto, então, o resultado das fotos foi uma grande surpresa pra mim também. Ele nunca reclamou sobre nenhuma peça que pedi pra ele vestir, e nem julgou. Eu peço e ele veste as roupas sem me questionar. Quando consigo, aviso com antecedência sobre as fotos, porque ele gosta de estar com a barba feita. Sobre as poses, vou dando sugestões e ele vai fazendo. É tudo muito rápido e intuitivo, pra ele não se cansar.

Na loja também há roupas para idosos ou não há distinção de idade para as peças?

Não há distinção! Cada um usa o que tiver vontade e da forma que bem entender. 

Como você se sente inserindo seu avô dentro da sua vida e da sua rotina?

Meus avós estão inseridos em minha rotina desde que me conheço por gente, porque desde sempre eles moraram comigo. E é muito louco quando me lembro de tudo o que eles faziam quando eu era criança e como é hoje. É um aprendizado saber lidar com eles, porque requer paciência e tempo. Eu estou aqui aprendendo também, porque são gerações diferentes vivendo no mesmo espaço-tempo. Temos muito o que aprender com isso, né?

Como é a relação de vocês dois para além das fotos da marca?

Meus avós moram comigo, é uma convivência diária com seus altos e baixos. No geral, meu avô é muito quieto, pois ele gosta de ficar na dele, cuidando da Fifi - a cachorrinha que é o xodó dele aqui em casa. E eu acredito que sim, é uma relação de amizade dentro das possibilidades que o tempo nos permite. Por exemplo, há uns anos ele participou da corrida de quatro quilômetros que acontece todo ano, sai lá da Unesp [Universidade Estadual Paulista] e dá a volta pelo Parque do Povo. Eu e meu namorado fomos acompanhando ele pelo percurso todo. Ele não correu, claro, mas completou o percurso todo caminhando. Pra mim, ele é um exemplo de humildade e força.

Você acredita que hoje em dia os jovens sabem lidar com a terceira idade e tratar bem este público?

Não quero falar apenas sobre os jovens, vamos falar da sociedade como um todo? Vamos falar sobre a cidade? No geral, a meu ver, ninguém sabe lidar com a terceira idade da forma como deveria ser. As ruas não são para os idosos, os transportes públicos não são para os idosos. É algo cultural e precisa ser repensado. A terceira idade faz parte de nossa ancestralidade, é parte essencial do que fomos. Acredito que a forma como tratamos esse público vai refletir muito no que estamos nos tornando.

AGENDA

Curso de Capacitação de Cuidados com Idosos

Público: Pessoas que querem trabalhar com idosos ou familiares que querem se capacitar

Local: Centro de Formação Nana Nenê

Turmas: Iniciam todas as semanas

Capacitações: Turmas de segunda à quinta-feira

Frequência: Aluno deve ir à aula duas vezes por semana

Capacidade por turma: 15 pessoas

Duração: Aproximadamente dois meses

Certificado: Incluso

Inscrições: Curto total em R$ 575, mas não há pagamento de matrícula

Endereço: Rua Victório Foglia, 51 – Jardim Colina – Presidente Prudente

Informações: 3908-4343

CAMPANHA PROMOVE SOLIDARIEDADE A IDOSOS DE PP

A ação não é recente, mas é um ótimo exemplo de que é possível sim pensar no próximo e, principalmente, no público que, muitas vezes, é deixado de lado. Intitulada de “Adote um Vovô”, a campanha da Facopp (Faculdade de Comunicação Social de Presidente Prudente), da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista), entregou a 76 idosos do Lar São Rafael presentes de Natal recolhidos em um ato de amor e carinho. Em poucas horas de ação, a árvore de Natal com a foto e nome de cada um dos idosos, e seus respectivos pedidos, já havia esgotado as possibilidades de participar do ato. Para a entrega, alunos da universidade se reuniram e promoveram uma ação acolhedora. 

                  Reprodução Facopp/Larissa Oliveira/Cedida

Ação solidária reuniu alunos da Unoeste em manhã de entrega de presentes

                 Reprodução Facopp/Larissa Akiyama/Cedida

Estudantes conversaram e ouviram as histórias de idosos do Lar São Rafael, em Prudente

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