Introduzido ao SUS em SP, canabidiol transforma rotina de família em Lucélia

Cheila e Ana Maria Demiscki administram medicamento à base da substância ao filho Hamad, de 16 anos, diagnosticado com síndrome do X frágil: “está saudável e se desenvolvendo bem”

REGIÃO - DA REDAÇÃO

Data 03/02/2023
Horário 18:44
Foto: Arquivo pessoal
Ana Maria, Hamad e Cheila Demiscki vivem em Lucélia
Ana Maria, Hamad e Cheila Demiscki vivem em Lucélia

A nova lei que prevê o fornecimento de medicamentos à base de canabidiol pelo SUS (Sistema Único de Saúde) no Estado de São Paulo sucede a luta árdua – e também custosa – de famílias na busca de garantir melhor qualidade de vida para entes queridos que precisam do tratamento. É o caso da terapeuta holística de Lucélia, Cheila Helena Demiscki, que viu o produto transformar a rotina de seu filho Hamad, de 16 anos, diagnosticado aos três anos com síndrome do X frágil, doença genética que causa deficiência intelectual.

Ela e esposa, Ana Maria Zammataro Demiscki, que foram as primeiras no Estado a se casarem no civil em 2012, adotaram o menino quando ele tinha 10 dias de vida, depois de uma batalha judicial que teve início em 1998 e findou em 2006, com a chegada do bebê em casa. Após o diagnóstico aos três anos, iniciaram o tratamento. O antipsicótico rispiridona foi o medicamento que o acompanhou no processo, no entanto, o fato do filho estar engordando muito passou a incomodar a família. Cheila, que, devido à profissão, gosta de técnicas mais naturais, começou a ouvir comentários sobre o canabidiol e se interessou muito.

Foto: Arquivo pessoal - Ana Maria com o filho após família vencer batalha judicial para adoção

“Na época, não era fácil e queríamos fazer tudo certinho, dentro da lei. Começamos a nos informar melhor e trocávamos informações com alguns grupos de mães”, relembra. A primeira dificuldade foi encontrar médicos que indicassem, por ser tudo muito novo ainda. “Encontramos uma neurologista de Prudente, indicada pelo médico que acompanhava Hamad. Ela estudou o caso dele e sugeriu de fazer o ‘desmame’ da risperidona e inserir o canabidiol”, conta.

Além do canabidiol, foi incluído o uso do THC (tetrahidrocanabinol), outra substância química encontrada na planta da Cannabis sativa, também nomeada maconha. “No primeiro mês, já notamos diferença. Ele socializava mais e estava mais compreensivo”, destaca a terapeuta holística, que diz que a transição do risperidona para o canabidiol durou um ano. “Hoje, ele toma dose mínima de canabidiol rico em THC, único remédio”, ressalta.

A obtenção do medicamento pela família ocorreu por meio da ONG (organização não governamental) Abrace Esperança, de João Pessoa (PB), que é autorizada desde 2017 pela Justiça brasileira a cultivar e fornecer derivados da Cannabis sativa aos seus associados em forma de óleos e pomadas. “Foi a associação que nos auxiliou em tudo no começo, inclusive juridicamente, para podermos usar com o nosso filho. Por meio dela, fazemos periodicamente a atualização de receitas. Daí, compro pelo site e eles nos enviam”, explica.

Cheila menciona que o vidro de 30 ml do produto custa cerca de R$ 250, mas ainda precisa arcar com o custo do frete, de aproximadamente R$ 100. Questionada se há expectativas de consegui-lo gratuitamente a partir da lei, ela afirma que seria ótimo. “Inclusive para o tratamento de mais pessoas. Melhora muito a qualidade de vida, pois é natural”, expõe.

A mãe de Hamad relata que, até alcançar os resultados positivos, enfrentou alguns desafios, sobretudo em relação ao preconceito. “Antigamente, era um horror falar que nosso filho era tratado com canabidiol, pois a maconha só era conhecida de forma pejorativa”, pondera.

Passado o pior momento, a família está muito feliz. “Hamad emagreceu, está saudável, vai à escola, interage do jeitinho dele, está se desenvolvendo bem, com conteúdo adaptado, e é uma criança de 1 metro e 80 centímetros muito feliz!”, pontua.

Foto: Arquivo pessoal - Cheila e Hamad

Foto: Arquivo pessoal - Família consegue medicamento graças ao auxílio de uma entidade de João Pessoa (PB)

Regulamentação da lei

O projeto de lei que trata do fornecimento do canabidiol pela rede pública foi sancionado nessa terça-feira pelo governador do Estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Com a medida, um grupo de trabalho será criado para regulamentar a nova lei. Os profissionais serão responsáveis pela implementação, atualização e reavaliação da Política Estadual de Medicamentos Formulados à Base de Cannabis.

“Estamos trazendo esperança para famílias que sofrem muito todos os dias com seus entes queridos tendo crises de epilepsia e problemas de desenvolvimento motor e de desenvolvimento cognitivo. Já temos comprovação científica de que o canabidiol resolve alguns problemas de algumas síndromes raras e temos que dar esse passo”, disse Tarcísio de Freitas na ocasião.

Segundo o governo estadual, “a medida é de extrema importância para o Estado, pois minimiza os impactos financeiros da judicialização e, sobretudo, garante a segurança dos pacientes, considerando protocolos terapêuticos eficazes e aprovados pelas autoridades de Saúde”.

“As ações judiciais impactam diretamente o orçamento público da saúde pública, privilegiando direitos individuais em detrimento das políticas públicas estabelecidas no SUS. Além disso, obrigam o Estado a fornecer produtos sem registro na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], delimitação de dose de segurança, evidência de eficácia, indicação terapêutica ou controle clínico do uso”, afirma o governo.

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