João Doria e o serviço público

OPINIÃO - Antonio Tuccílio

Data 01/02/2019
Horário 05:30

É no mínimo curiosa a maneira como fatos ganham notabilidade na internet. Um acontecimento pode se tornar viral em questão de minutos, enquanto outros ganham maiores proporções apenas com o passar do tempo. Na internet não há borracha, portanto, as informações podem submergir e vir à tona mais hora, menos hora. É o caso de uma entrevista concedida pelo atual governador de São Paulo, João Doria (PSDB), para a jornalista e hoje deputada federal eleita pelo PSL, Joice Hasselmann, em 25 de agosto de 2017, quando já se falava na candidatura do ex-prefeito ao governo do Estado. A entrevista na íntegra está disponível no canal do próprio governador no YouTube.

Alguém decidiu retirar um trecho dessa entrevista e espalhá-lo via whatsapp. No vídeo, Doria e Hasselmann criticam os concursos públicos e a estabilidade dos servidores, demonstrando pouco conhecimento sobre o serviço público no Brasil. Infelizmente, e já vimos isso nas eleições passadas, informações que circulam em grupos de whatsapp, mesmo que sejam mentira, ganham status de verdade.

É preocupante que uma autoridade, que hoje ocupa o cargo de governador do Estado mais rico da nação, e também o Estado com maior número de servidores, não entenda a importância dos concursos para o bom funcionamento do Estado. Esta é a melhor maneira de evitar contratações para cargos públicos baseadas na amizade e na troca de favores, o que é muito comum no meio político. O único critério válido é o conhecimento para garantir uma boa nota nas provas. Isso é meritocracia, modelo de hierarquização e premiação baseado nos méritos, que Doria e Hasselmann costumam defender em outras áreas, mas, aparentemente, não quando se trata de serviço público.

Durante a entrevista, João Doria diz que a estabilidade é um “emprego eterno” e uma “excrescência”. A estabilidade não foi criada para proteger o servidor. Eu imagino que para muitas pessoas isso pode parecer uma espécie de mordomia, mas a verdade é que a estabilidade existe para proteger o Estado. Caso contrário, a cada mudança de gestão entre partidos provocaria um grande número de demissões por questões ideológicas. Além disso, a estabilidade evita que políticos mal intencionados obriguem servidores a realizar trabalhos que vão contra as leis, sob a ameaça de demissões.

Ambos, entrevistado e jornalista, criticam a aposentadoria integral. Porém, se esquecem de que os servidores públicos não têm FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), pagam alíquota de até 14% de contribuição previdenciária, que é maior que a da iniciativa privada, e mesmo depois de aposentados continuam a contribuir com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o que não faz sentido, mas existe no Brasil.

O discurso de que o serviço público precisa acabar porque, supostamente, retira grandes quantias dos cofres do governo é recorrente em certos setores, principalmente naqueles em que se defende a privatização de tudo, como se a iniciativa privada fosse a grande salvadora da Pátria. Também é utilizado por figuras populistas que almejam cargos na política e sabem que criticar o serviço público atrai eleitores mal informados. Da forma que falam é como se o Brasil tivesse um número gigantesco de servidores, o que é irreal.

Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), nações reconhecidas pelos altos índices de desenvolvimento humanos têm grandes parcelas da população no serviço público. É o caso da Noruega (30%), Dinamarca (29,1%), Canadá (18,1%), Reino Unido (16,4%) e Estados Unidos (15,3%). No Brasil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apenas 1,6% da população são servidores. Antes de criticarem o serviço público brasileiro, sugiro ao governador e a deputada que pesquisem mais sobre o assunto.

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