Lá no fundão

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 21/03/2023
Horário 06:00

- Você viu o jeitão dela pra cima dele?
- Então, péssimo. Quem se joga assim em alguém...
- O que ele falou mesmo? 
- Quem? 
- O professor. Não dá para entender nada. Ele fala pra dentro...
- Não sei não, tô jogando aqui. De vez em quando eu olho pra ele e balanço a cabeça, tipo “entendi”, e ele fica feliz...
- Mas podia fazer uma aula de dicção...
- Sei lá, o que eu queria mesmo era saber se vou conseguir um emprego logo. A facul tá acabando esses dias e nem estágio eu peguei.
- E eu? Mas também, pegar estágio como? Você viu o que eles ofereciam? Esse profe aí mesmo outro dia veio com um estágio, dizendo que era minha cara e tudo mais. Fui ver quanto era e, mano, mil e duzentos reais? Ah e nem era pra ser do team estratégia. Era pra escrever post. Ganho mais fazendo meus emoji aqui. 
- Então, eu nunca nem fiz estágio por isso. A Júlia, sabe a Júlia? Então ela mesmo ficou um ano inteiro no lugar lá, fez de tudo, e quando entrou outro estagiário ela viu que ele ganhava a mesma coisa que ela. Afff. 
- E agora? O que ele falou? Ele falou da prova? É isso? Meu Pai...
- Ah, meu, desencana. Você viu na aula passada o vídeo que ele mostrou? Mano, velho pra caramba. Todo mundo já tinha visto aquilo e ele meio que dizendo que era a maior novidade...
- Só. Tipo quando ele falou do ChatGPT. Nossa, super novidade etc e tal e eu mesma já tinha feito até trabalho dele usando o chat... 
- Para! Fala baixo. Ele vai ouvir. Ah, lá! Olhou pra mim...
- Também com essa cara de sonsa...
- Mano, se ele contar mais uma história do cachorro dele, eu vazo daqui...
- Para de pegar no pé do profe. Ele é o mais legal que a gente tem.
- Também acho, mas às vezes ele me desanima. 
- Por quê?
- Porque ele é muito otimista. Vive dizendo aí que tem vaga pra todo mundo.
- Pra todo mundo não. Pra quem encara de frente a profissão.
- Então, você lembra quando ele falou que levou 20 anos pra estabilizar na vida? Tá louca? Não dá pra esperar 20 anos não. Eu morro antes.
- Ué, eu achei normal, porque a gente vai precisar mesmo correr atrás, fazer as experiências, cair, levantar. Normal, é a galera que vai realmente ser alguém na vida.
- Ih, ah lá, virou discípula dele? Eu hein, miga...
- Não, é que sei lá, de repente eu comecei a achar suas reclamações muito infantis. 
- Infantis nada. Normais. Pergunta para qualquer um aqui da sala o que eles acham? Olha só, a maior explicação do profe e tem um monte de gente no celular para segurar ansiedade; uns dormindo porque morrem de insônia; aquele mané ali com cara de irritado porque não sai do celular; o outro com piercing na língua babando; o “pobi” ali que acha que vai dar certo na vida se tirar 10 em tudo, mas não vai porque só decora; o blogueirinho lá que acha tudo isso aqui um “cocô” e que só porque frequenta a depp web sabe mais do que todo mundo...
- Então, tudo criança. Você também tá nessa. Acorda, miga. Não tem almoço grátis não. Esse povo aí só sabe reclamar da vida. Geração perdida. 
- Ué, mas você também é dessa geração
- Era. Não sou mais. O que ele falou mesmo?
 

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