Lei levanta discussão sobre liberdade dos professores

Servidores municipais contestam, especialmente, trecho que obriga que todo conteúdo de cunho moral e religioso seja apresentado aos familiares antes para aprovação

REGIÃO - MARCO VINICIUS ROPELLI

Data 23/06/2020
Horário 08:04
Freepick - Segundo docentes, lei pretende tirar a liberdade que possuem dentro das salas de aula ao ensinar
Freepick - Segundo docentes, lei pretende tirar a liberdade que possuem dentro das salas de aula ao ensinar

O artigo 206 da Constituição Federal, bem como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, garante ao professor o direito de cátedra, ou seja, a liberdade de ensinar, não podendo sofrer constrangimentos no exercício de sua função. A Lei Municipal 3.148/2020, chamada “Infância Sem Pornografia”, de autoria do vereador José Antonio Ceolin (PSD), sancionada em 15 de junho em Regente Feijó, acendeu esta discussão no município, especialmente por conter o seguinte trecho no segundo parágrafo do artigo 2°: “Órgãos ou servidores públicos municipais podem cooperar na formação moral de crianças e adolescentes desde que, previamente, apresentem às famílias o material pedagógico, cartilha ou folder que pretender apresentar ou ministrar em aula ou atividade”.

A lei não permite que professores ou agentes de saúde ministrem ou apresentem temas de sexualidade adulta a crianças e adolescentes sem o conhecimento da família e inclusive menciona que o assunto é muitas vezes apresentado sob o pretexto de educação sexual.

O trecho e toda a lei causaram indignação em redes sociais, especialmente entre os servidores da rede municipal de Educação. Representando a classe, o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Regente Feijó, como informou a advogada Lídia Aparecida Cornetti, 52 anos, afirma que entrará com ação de nulidade contra o referido parágrafo, tendo em vista sua inconstitucionalidade.

Sobre os demais artigos, cujo conteúdo se relaciona à educação moral e religiosa das crianças (que estas sejam feitas de acordo com as convicções das respectivas famílias), e a respeito da divulgação ou acesso de crianças e adolescentes a materiais pornográficos e obscenos, a advogada afirma: “Parece um compilado de outras leis que já existem em esfera federal, é uma lei desnecessária. Nesses casos, não é a lei municipal que vai ajudar, mas as federais e leis especiais”.

Os artigos 6° e 7° da lei afirmam que a violação ao disposto implicará em multa e sanções previstas no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais e “qualquer pessoa jurídica ou física, inclusive pais e responsáveis, poderá apresentar à Administração Pública Municipal e ao Ministério Público quando houver violação ao disposto na lei”.

Reações contrárias à sanção da medida

“Dentro dos nossos livros didáticos, existem todos os conteúdos que devem ser contemplados em determinadas séries e gradativamente. Então, pedir autorização aos pais para que se trate de um assunto que já está vinculado ao livro didático, que foi passado pelo MEC [Ministério da Educação], por especialistas, pela Divisão Municipal de Educação, causa uma indignação, maior ainda por a lei ter sido aprovada sem nenhuma discussão”, afirma a presidente do sindicato e professora de creche, Edmarcia Gomes da Silva Mastronicola, 52 anos.

“PORNOGRAFIA AS CRIANÇAS ENCONTRAM COM FACILIDADE NAS REDES SOCIAIS PELOS CELULARES, TABLETS, COMPUTADORES QUE AS FAMÍLIAS COMPRAM PRECOCEMENTE AOS SEUS FILHOS”

Edmárcia Pissinin

Também houve reação acerca dos trechos que citam o acesso à pornografia e afins. A professora Edmárcia Pissinin, em suas redes sociais, publicou o desabafo: “Pornografia as crianças encontram com facilidade nas redes sociais pelos celulares, tablets, computadores que as famílias compram precocemente aos seus filhos. Eu, como educadora da rede municipal de ensino, vou defender meus companheiros de trabalho que tanto lutam em suas salas de aula, diariamente”.

"DMEC não integrou elaboração da lei"

Em nota enviada a este diário, a DMEC (Divisão Municipal de Educação), sob a titularidade de Telma Regina dos Santos Silveira, afirma que não foi sequer consultada para a elaboração da lei. “Todo planejamento pedagógico é realizado com total responsabilidade para que nossos alunos tenham acesso a conteúdos que promovam uma aprendizagem significativa proporcionando desenvolvimento humano, em condições de liberdade e dignidade, respeitando e valorizando as diferenças. Dessa forma, a referida lei não impacta no trabalho pedagógico que já vem sendo realizado na rede municipal de Educação de Regente Feijó”, garante Telma.

Autor diz estar fora da polêmica

Procurado pela reportagem, o vereador José Antonio Ceolin atendeu e informou que não se envolveria em qualquer polêmica e que sua posição estava expressa na interpretação da lei.  Ele informou somente que leis semelhantes existem em cidades da região, mas soube identificar apenas Presidente Prudente.

Entretanto, é de conhecimento público que, na capital do oeste paulista, houve uma ocasião em que o vereador José Geraldo de Souza (PTB) apresentou um projeto de lei que regulava a educação sexual nas escolas e a Defensoria Pública contestou a proposta, informando que não cabe ao Legislativo interferir em atribuições de responsabilidade do Executivo. O texto acabou retirado e arquivado.

Foto – Câmara Municipal de Regente Feijó

Ceolin, autor da lei, afirma não se envolver nas polêmicas que o texto tem causado

 

 

 

 

 

 

 

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