Minha mãe

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 10/01/2021
Horário 07:00

Ela se chama Mariana Moysés Isaac. Logo que conheceu meu pai me disse que sentiu que estava diante do grande amor da sua vida. Como assim mãe? São os mistérios da vida filho, me respondeu. Sua grande sensibilidade não mentiu, o corpo jamais mente. E assim se casou com meu pai. Ele também encontrou o grande amor da sua vida. Tiveram sete filhos: Sergio, Teco, eu, Roy, Cássia, Mariza e a Lenda Ilenzinho. 
Moraram na lendária Avenida Washington Luiz, 501. Uma casa cheia de felicidade. Meu pai viajava muito e minha mãe cuidava dos sete filhos. A casa vivia sempre cheia de amigos e amigas. Minha mãe recebia a todos como se fossem filhos dela. 
Tinha uma professora, que me recuso a falar o nome, que maltratava eu e meus irmãos. Nunca demonstrou nenhum carinho ou respeito por nós. Éramos crianças. Tratava a todos com carinho dizendo: Passou Ricardinho? Passei tia. Passou Serginho? Passei tia. Quando chegava na minha vez, dizia com raiva no seu amargo coração: Passou "turco"? Minha mãe quando ficou sabendo foi até essa insensata professora e deu-lhe a maior dura. Eu adorei. 
Minha é mãe é muito orgulhosa e ai de quem desfazia dos filhos dela. Adorava recitar poesias. Tinha muita graça quando dançava o Dabke, a dança árabe. Ela é muito religiosa, como era meu pai. Achava engraçado como ela defendia os homens: Mãe fulano de tal traiu fulana de tal. O que ela fez filho? Percebi que minha mãe era machista. Marca registrada da geração dela, onde tinham que ser sábias para viver numa época onde as mulheres tinham que ser somente donas de casa. 
Minha mãe poderia ter sido uma psicóloga, sempre teve facilidade de administrar e entender a natureza humana. Imaginem criar sete filhos e ter que dar atenção por igual a todos eles. Quando meu pai faleceu, ficamos preocupados com minha mãe, afinal tinha perdido seu grande amor. Como ia ser a vida dela? Viveu cuidando do marido e dos filhos com muita disposição e carinho. Sua fé, sua religiosidade entrou em ação e minha mãe mais uma vez nos mostrou que a vida é aguentar as grandes perdas. 
Feliz é aquele que sabe sofrer. Seu pai está ao lado de Deus filho, sempre dizia essa frase quando sentia saudades. Para mim é muito difícil entender, pois não sou um homem religioso. Procuro a espiritualidade. Minha mãe e meu pai, além de religiosos, também eram espiritualizados. A Covid-19 limitou muito a aproximação com minha mãe. Ela está com 99 anos. Seus cabelos estão brancos como a neve. Seu olhar é de uma criança. A Dinah é quem cuida dela. Nos ensina muito com seu enorme amor. A velhice é amiga íntima da solidão. 
Estou vendo minha mãe dormindo. Ela quase não me reconhece. Tenho saudades de quando passávamos o Natal com meus pais e meus irmãos. Hoje cada um passa as festas com suas famílias. Continuo olhando para a minha mãe deitada na cama. Ela passa o dia deitada. Uma mulher que criou sete filhos, ativa, inteligente em relações humanas, está com seus 99 anos de vida. Me dizem que assim é a vida. Todos vão festejar, comer, beber, agradecer a Deus comendo tâmaras e bebendo champanhe. Assim é a vida.

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