Mortos servem para quê?

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 31/10/2023
Horário 06:00

Na semana em que os mortos são lembrados, quero escrever aqui sobre a vida.
Eu não tenho o costume de ir a cemitérios e fazer lá as honras tradicionais, com flores, objetos e lágrimas. Não vejo a prática como algo ruim, muito pelo contrário, mas não é definitivamente algo que me move e isto não tem a ver com ser mais ou menos zeloso com a memória de alguém.  
A questão é mais prática. Para mim, pessoas têm muito mais sentido quando estão vivas, óbvio. Mortas, da forma como estão nos cemitérios, não servem para nada. São números descritos nas lápides e antes que me acuse de frieza, ressalto que faço esta provocação aqui justamente para que possamos olhar diferente para esta situação.
Há um filme que muitos se lembram chamado “Sociedade dos Poetas Mortos”. Ele é de 1989, dirigido por Peter Weir e estrelado por Robin Williams, que fez o papel do professor John Keating. 
Em algum momento, o mestre reúne alunos em uma espécie de sociedade secreta e dá a eles o que um professor pode oferecer de melhor: a chance de pensar, de refletir e ser crítico. 
E entre os vários temas que permeiam a história, a efemeridade da vida é sem dúvida uma das mais marcantes. Quem assistiu a obra lembra de Keating com os alunos em frente às fotografias de ex-alunos, praticamente todos já mortos, e os sussurros surgindo como se fossem das imagens dizendo “carpe diem”, que significa "aproveite o dia" em latim. 
Ou seja, as fotografias velhas dos ex-alunos são iguais às fotografias de nossos mortos nos túmulos, nas estantes ou guardadas em algum canto escuro de sua casa e se observarmos bem poderiam dizer o mesmo a você: “Prestem atenção para fazer sua vida valer a pena em cada respiração. Hei! Você está vivo!”.
Enfim, o que quero dizer é que os “meus” mortos dizem muito mais sobre a vida do que sobre memória ou saudade. 
Quero poder tirar deles a vivacidade que tinham quando ainda estavam aqui, respiravam, trabalhavam, faziam a diferença na vida de tanta gente. Cada um a seu modo, mas faziam. 
Quero olhar para suas escolhas e aprender com cada uma delas, saber o que valorizaram em vida e o que construíram e aí sim, tenho certeza, farei o que hoje, em alma lá no céu, esperam de mim enquanto pessoa.  
 

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