"O atletismo me deu tudo, mas também me tirou o chão”

Esportes - Jefferson Martins

Data 30/01/2016
Horário 21:42
ENTREVISTA

 

Jayme Netto Júnior,


TÉCNICO DE ATLETISMO

 

 

 

Mais maduro e pronto para retornar. É assim que se sente o técnico de atletismo, Jayme Netto Júnior, após sete anos longe das pistas. Em 2009, o comandante foi punido depois de confessar participação em um caso de doping que envolveu cinco atletas - Bruno Lins Tenório de Barros, Jorge Célio da Rocha Sena, Josiane da Silva Tito, Luciana França e Lucimara Silvestre - da equipe Rede, de Presidente Prudente. O prazo de todas as punições sofridas se encerra no início de março e, com isso, o técnico poderá retomar as suas atividades profissionais em definitivo. Em entrevista a este diário, Jayme conta que na ocasião achava que sua vida no esporte "havia acabado", e que acredita ter sofrido injustiça, já que foi banido do esporte pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo), assim como Inaldo Sena, também treinador da equipe. Ao recorrer à CAS (Corte Arbitral do Esporte, na tradução para o português), teve a pena diminuída para quatro anos e passou a cumpri-la apenas depois do novo julgamento, o que contabilizou um período de sete anos.Jornal O Imparcial

 

 

O Imparcial: Em 2009, você esteve envolvido no que, na época, foi tido como ‘o maior caso de doping do país’. O que passou na sua cabeça?

Jayme Netto Júnior: Quando tudo aconteceu, eu achei que a minha vida no esporte havia acabado, não queria mais ser treinador. Eu tinha vergonha do que tinha acontecido. Eu tinha 30 anos de história, sem nunca ter suspeita. Meus atletas nunca foram atletas ‘cometas’, daqueles que aparecem do nada e somem da mesma forma. Eles tinham longevidade, regularidade de performance, então não tinha nada que apontasse para esta suspeita de doping, pois eu nunca o utilizei. Da forma que as coisas aconteceram, ficou parecendo que eu era o protagonista da história, mas na verdade o que houve foi a sugestão de uma pessoa que eu acreditei e confiei para cuidar de atletas. Eu sou contra o doping, porque acredito que não faz ninguém correr. Se fosse assim, pode ter certeza que existiriam inúmeros campeões mundiais, pois é uma coisa muito difundida em meio a todos os esportes. Não acredito que o doping faça um atleta campeão, e sim outros fatores como talento e trabalho. E em meio a essa chamada de responsabilidade para mim, o que me entristeceu muito é que eu queria salvar o projeto em que atuava, no qual eu era protagonista.

 

Você se sente injustiçado?

Eu acho que a situação teve uma dimensão que não precisava ter. Eu nunca vi ninguém dar coletiva em caso de suspeita de doping, mas a gente teve que dar. Eu nunca vi uma entidade entrar com recurso contra o próprio atleta para aumentar a pena. Eu tinha sido punido com quatro anos. No recurso dos atletas não havia recurso contra mim, mas me julgaram indiscriminadamente e me baniram, sem caber banimento. Houve interesses além de punir no contexto ético-disciplinar e isso tudo me entristeceu muito. Eu reconheço a minha culpa, mas eu não planejei um sistema de doping. Entendo que fiz parte de um contexto, de ter sido permissivo com uma coisa que não deveria ter feito... Cometi um erro ético-disciplinar em um esporte e fui tratado e julgado como bandido. Toda a minha história foi jogada no lixo.

 

A pena acaba em março. O que vai ser daqui para frente?

Para mim isso tudo faz parte do passado. Demorei a elaborar, e dentro desse contexto de injustiças, está acabando agora em março, o que é uma outra injustiça do CREFSP (Conselho Regional de Educação Física de São Paulo), mas vai acabar. Houve uma pena de quatro anos, entramos com recurso para diminuir para dois. Demoraram três para julgar este recurso que foi negado e ainda falaram que iríamos cumprir a pena a partir da data do julgamento, então, ela foi ampliada para sete anos. Mas, faz parte do passado. Como diz o filósofo : ‘O que não mata fortalece’. Eu quase morri, mas fiquei fortalecido. Eu tinha duas escolhas na vida e entre as asas e a muleta, peguei asas. Amadureci como pessoa nestes anos, um salto quântico na vida pessoal, espiritual, profissional e científica. Dediquei minha vida à universidade e então tive um momento de reflexão. Com toda a minha bagagem de 30 anos de carreira, eu nunca me senti tão preparado para fazer as coisas que eu gosto de fazer: ser treinador e professor. Vou esperar terminar a pena e aí abrir a mente para o que vou fazer.

 

Como o atletismo surgiu na sua vida?

Eu iniciei com 13 anos. Gostava de esportes e me encantei pelo atletismo e, assim como para muitos, o esporte é a porta para a sobrevivência. Para mim, ele foi a oportunidade de estudar. Fiz duas faculdades (Educação Física e Fisioterapia) subsidiadas pelo esporte. Minha vida pessoal se confunde com o atletismo, por isso para mim é tão difícil . Tenho um dom, eu treinei 26 atletas olímpicos, tive medalhas em duas olimpíadas, jogos mundiais. Se não fosse tão forte a minha ligação, o amor, eu não conseguiria voltar depois de tudo o que aconteceu comigo. Quando tudo aconteceu, eu tinha 48 anos. Na vida tinha feito duas coisas: ser professor e treinador . Fui banido de um e demitido de outro, injustamente. Tive que lutar para reverter a situação, e consegui. Como o atletismo tinha me dado tudo, mas também me tirou o chão, eu não queria mais. Mas o amor foi mais forte.

 

Algum outro fator te fez querer voltar?

O meu pai. Ele estava com câncer, muito doente, e pouco tempo antes de morrer, no leito de morte, quando eu já tinha revertido as duas coisas , ele falou: ‘Agora só falta você voltar a fazer aquilo que ama. Faça por você’. Foi aí que eu pensei na possibilidade de voltar. Meu pai morreu há dois anos e faz este tempo que passei a pensar em voltar.

 

Restam 187 dias dos Jogos Olímpicos. Na sua visão, qual é a grande força do Brasil nas Olimpíadas e, especificamente, no atletismo?

Acredito que o Brasil fará a melhor participação de toda a sua história. Houve um investimento em diversas modalidades e atletas, coisa que jamais teve no esporte brasileiro. Já o atletismo passa por um momento de transição. Tem mostrado uma safra de grandes talentos, de jovens com excelentes participações nas categorias juvenis, sub-23, mas que ainda não estão prontos para uma medalha olímpica. Penso que temos de cinco a seis chances reais de medalhas. Entre esses possíveis está a Fabiana Murer, no salto com vara, que é uma pessoa madura, bicampeã mundial indoor e que está em uma boa fase. Tem também o Duda no salto em distância. E o revezamento 4x100 masculino também pode chegar.

 

Uma das grandes forças da equipe do revezamento 4x100 metros que foi medalhista olímpica, foi o fato de ser um grupo que treinava junto. Falta isso nos dias de hoje?

A Confederação e o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) têm investido muito em campings, tem tentado reunir essa moçada. Eu acho que falta um pouco de maturidade, com pulso bastante firme. O atletismo é um esporte com que tem a individualidade como característica, então, os atletas são sempre adversários para conquistar vaga. Quando vai para o revezamento, ele passa a ser um esporte coletivo e é preciso transformar, harmonizar essas características. Os treinadores têm que primeiro saber os caminhos para fazer isso, e ter pulso firme.

 

Com a sua experiência, como você acha que poderia contribuir se fosse um dos treinadores da Confederação nos Jogos Olímpicos?

Eu já estou contribuindo. No ano passado, no Campeonato Mundial, dos cinco atletas que foram para o revezamento, três treinavam sob minha assessoria técnica. E eu estou certo de que eles estarão novamente, alguns já são mais maduros. Mas, quando chegar lá, na reta final, quem estiver na liderança técnica, coordenando os revezamentos, terá que saber como conduzir e como fazer essas pessoas chegarem ao objetivo, superando os estresses da própria competição. Mas quanto à minha contribuição, não tenho dúvida. Hoje o Bruno já está com índice olímpico. Por sinal, de todos os componentes do revezamento, só ele e o Aldemir estão com índice ‘garantido’.

 

Os atletas do revezamento 4x100 metros de 2000, sempre que questionados, colocam você como sendo fundamental para a conquista da medalha de prata em Sidney. Qual o motivo?

A gente criou um ambiente bom. Uma energia de trabalho em que tinha um líder, que na ocasião era eu. Os critérios que eu estabelecia para quem ia correr e em que posição, sempre tendo em vista toda a metodologia que eu utilizava, os argumentos que eu usava, para mostrar que eu não estava sendo injusto com ninguém, eles aceitavam. E o fundamental foi que eu tirei o ego deles, e falei: "Este time chama Brasil, não chama Claudinei Quirino, Edson Luciano, Vicente Lenílson, André Domingos, nem Claudinho e eu somos líderes. Se vocês conquistarem qualquer coisa, o mérito é do grupo. Se perderem, a culpa é minha, não é de vocês". E deu certo. Acho que para liderar, para ter o comando de uma equipe, tem que ser assim.

 

Momento mais feliz em 30 anos de carreira?

A medalha de bronze em Atlanta é a da superação. A de Sidney a gente cometeu um pequeno erro. Mas uma coisa que achei maravilhosa foi no Mundial do Japão em 2007, que ficamos em quarto lugar. Corremos com uma equipe toda renovada. O Bruno era muito moleque, o Rafael Ribeiro era muito moleque, o Basílio de Moraes era muito jovem, só o Vicente era experiente. O convívio me deixa muito feliz. Os momentos que a gente viveu me deram a oportunidade de crescimento. Dizem que a vida é um lugar de fazer amigos. Dizem que a vida é causa e efeito, o resto de tudo é efeito.
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