O corvo

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 22/01/2023
Horário 05:30

Quando nasceu, seu pai colocou seu nome de Hassan, que tem um significado especial e quer dizer: "O mais bonito, aquele que embeleza, que melhora, que renova". Seu irmão mais novo, Malik, era muito apegado a ele. Adorava quando seu pai lia as poesias do poeta libanês Khalil Gibran e achava que o mundo era como os poemas de Gibran. Sua sensibilidade se manifestava mais puramente quando ouvia a voz da cantora Fairuz cantando a canção “Le Beirut”. Fairuz representa a voz do mundo árabe. 
A lírica música “Banat Iskandaria” (meninas de Alexandria) na voz do cantor tenor Mohammed El-Bakkar estava tocando e seu pai se levantou para dançar com sua mãe, o Dabke rodando seu lenço branco abraçado na alegria. Vivia na belíssima Beirute e sonhava em ser médico. Quando o sol atingia seu ponto mais alto no céu, sua família orava o Dhuhr, olhavam para Meca dizendo: Ash- hadu Anna Muhammad-ar-rasul-ullah- que quer dizer: Presto testemunho de que Muhammad é o mensageiro de Deus. Repetiam essa oração duas vezes. 
Sua mãe gostava de artes e era professora de história na Universidade Pública de Beirute. Seu pai era um próspero comerciante de ouro. Um país de um povo muito hospitaleiro e de paisagens exuberantes banhado pelo Mar Mediterrâneo. Os conflitos político-religiosos fazem parte da história dessa pequena nação. E esses conflitos apareceram de novo banhando a paz de sangue. Caças bombardeiros russos da força aérea síria do ditador Bashar al-Assad rasgam o céu de Beirute e explosões acontecem. Seu pequeno irmão assustado grita seu nome, um grito de desespero foi o último som que Hassan ouviu do seu amado irmão. Sua família estava morta. 
A pérola do Oriente, o país dos cedros, estava destruído. Assustado e com medo Hassan olhou para o céu e com os olhos cheios de lágrimas emite um grito de socorro. Se ajoelhou dizendo quatro vezes: "Allahu Akbar" (Deus é maior). Nunca mais voltaria a sorrir. Beirute com sabor de vinho feito com a alma do povo, com gosto de pão e de jasmim, e agora tinha gosto de cinzas feitas do sangue dos seus filhos. Hassan deixou seu coração nas feridas da sua família e foi levado para Paris, deixando para trás suas raízes. Sua inocência foi devorada pela insensatez humana que não tem fim e nem cura.  
A França sempre será para os franceses. Ele se sente um imigrante rejeitado, um rio sem rumo, uma onda cega, uma faca sem corte. Na cidade luz o chamam de moreno. Mora numa Bidonville (literalmente, “cidade de lixo”), um submundo insalubre, precário e provisório. A imagem do seu pai, do seu irmão e da sua mãe trás de volta as doces lembranças envolvidas nas poesias de Khalil Gibran, mas logo desaparecem diante de uma realidade áspera. Quando vai para uma entrevista à procura de um emprego melhor e chamam seu nome, logo é rejeitado. O lixo é o seu sustento. 
A França foi um dos países que dominaram seu país, mas a França é para os franceses. Cansado, desiludido, descrente de tudo, fica perdido e confuso no seu desencanto e na sua tristeza. Conhece Shabazz Suleman, homem importante do Al-Qaeda, que está atrás de jovens pobres e desiludidos. A miséria de muitos continua fazendo a felicidade de poucos. Shabazz gostou dele e disse: "Nunca esqueça da sua dor, ela mostrou a verdade. Não se esqueça que o poder não corrompe, revela a face oculta do homem".  
Hassan já não é mais o "mais bonito, o que embeleza, o que melhora, o que renova, ele vai se tornar um Jihadista e vai se chamar Mohammed Abdul Karim. Sua inteligência, seu ódio, ousadia o levam a ser respeitado no Al-Qaeda. Se sente protegido, amado e respeitado. Seu coração não está mais exilado num deserto sem oásis. Quando o sol atinge o ponto mais alto do céu, vem a sua mente a imagem do seu pai orando. Passa suas duas mãos em seu rosto, um gesto de purificação, e se sente mais próximo de Allah. Sua expressão já não é de paz, em suas mãos está com uma Kalashnikovs, o famoso fuzil de assalto AK 47. 
Mês de março começa a primavera em Paris, a temperatura está amena e Abdul Karim está indo para o Magreb Islâmico. Dentro de pouco tempo se tornará o terrorista mais letal e será conhecido pelo codinome de o corvo, o símbolo da morte. Suas vítimas serão os políticos, autoridades corruptas, insensatas e mentirosas. Antes das missões ele lê seu poema favorito de Khalil Gibran:
"És livre na luz do sol e livre ante a estrela da noite.
E és livre quando não há sol, nem lua ou estrelas.
Inclusive, és livre quando fechas os olhos a tudo que existe".

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