O dia em que a vida tocou em 5 tempos: uma crônica jazzística

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 19/12/2025
Horário 05:30

O jazz, dizem, é a música da inteligência, da liberdade e da alma que se recusa a seguir a pauta. Para quem, como eu, ainda estava aprendendo a cadência simples da vida, ele parecia um horizonte distante, complexo demais para ser abraçado. Foi então que o destino, sob a batuta do Dr. Zelmo Denari, resolveu me empurrar para o palco.
O convite: formar o "Jazz in Prudente".
Cheguei à casa do Dr. Zelmo, no Jardim Bongiovani, com a timidez de quem pisa em terreno sagrado. A casa era bela, mas o verdadeiro templo ficava no piano, onde Zelmo — um cavalheiro de refinada educação e um passado como pianista profissional nas grandes orquestras de outrora — comandava o ritmo. Juntou-se a nós o Dr. Paulo, promotor educado, aficionado pelo saxofone, que assumia seu instrumento com uma mestria surpreendente. E tínhamos a acolhida gentil da Da. Cecília, bibliotecária da Faculdade Unoeste, e a curiosidade musical de Carla, que flertava com a bateria, o meu posto de estreia.
Confesso, meu conhecimento sobre jazz era escasso. Um estilo que exige não apenas talento, mas uma técnica apurada, um equilíbrio quase místico e, sobretudo, a independência dos movimentos – uma metáfora perfeita para a própria vida que o jazz reflete.
Naquela noite, Zelmo não tocou um acorde, ele abriu um portal. Ele começou a dedilhar "Take Five". A canção, composta pelo saxofonista Paul Desmond e imortalizada pelo quarteto de Dave Brubeck, não é apenas um clássico; é uma revolução rítmica. Sua estrutura é inteiramente construída em torno de cinco tempos por compasso (o raro 5/4), com a semínima recebendo a batida. Naquele tempo, onde o pop e o clássico viviam presos ao 4/4, "Take Five" era um sopro de audácia.
Enquanto a melodia hipnótica e cool de Desmond se desenrolava, lembrei-me da lendária gravação, onde o solo do baterista Joe Morello entrou para a história. Morello, com sua técnica impecável e seu timing elástico, transformou um solo em uma aula de independência, mostrando que a bateria pode ser livre sem perder a elegância.
O jazz, naquele ensaio despretensioso em Prudente, deixava de ser apenas notas e passava a ser filosofia. Era o improviso como a resposta mais honesta ao roteiro, a liberdade como motor criativo e a criação como reflexo da alma. Era a herança da luta, da resistência e da identidade das comunidades afro-americanas nascidas em New Orleans, traduzida em complexidade rítmica e swing inimitável.
Aquela foi uma noite agradável, mas, acima de tudo, foi um batismo. "Take Five" me ensinou que a vida, assim como o jazz, pode (e deve) ser tocada fora do compasso padrão, desde que haja equilíbrio e alma para sustentar a diferença. E que a verdadeira arte, seja na música ou na moral, começa com a coragem de ser a exceção à regra.
 

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