O falso ídolo

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 15/08/2021
Horário 06:44

Dallas, 22 de novembro de 1963. Um projétil sai da Winchester Mannlicher - Carcano, calibre 6,5 e vai rasgando o ar quente como uma navalha afiada e penetra no crânio do presidente americano, John Fitzgerald Kennedy, abrindo uma cratera de 13 centímetros, mudando o curso da história política mundial.  Um jovem que encarnava o ideal americano estava à beira da morte. Seu corpo já amolecido é lançado contra o encosto traseiro do carro presidencial, um Lincoln Continental SS-100-X, pesando quatro toneladas. Sua mulher Jackie Kennedy grita: Ah! Não! Não, não, não! Atiraram no meu marido! 
A história estava sendo pintada com pincéis  de violência. Um simples alfaiate judeu ucraniano, Abraham Zapruder, grava tudo com sua câmera Bell & Howell 8 mm.  O mundo estava prestes a chorar a morte de um homem bonito, inteligente, charmoso que ousou desafiar a União Soviética na crise dos mísseis, cuja determinação levou o homem à lua. Primeiro católico a chegar ao salão oval, progressista, enérgico e preparado para rejuvenescer a democracia americana. 
Eu tinha apenas 11 anos de idade e fiquei triste com a morte de um ídolo e herói americano. Sem entender nada, mas levado pela inocência e pela comoção mundial, assisti o enterro pela televisão emocionado. Um sentimento de frustração pousou no ombro da esperança como um corvo. Achava que o mundo tinha perdido um santo. A necessidade de criar ídolos é necessária para satisfazer a nossa fragilidade, nossa carência e insegurança. Gostamos de ser governados, necessitamos de modelos para copiarmos, para seguirmos, para idolatrar, para se espelhar e assim satisfazer a nossa ilusão de sermos criaturas criadas à semelhança de Deus. 
No nosso imaginário, um ídolo não pode ter defeitos. As pessoas se transformam em torcedores fanáticos e a autocrítica fica cega, surda e muda diante de qualquer posicionamento mais realista. Com o tempo, uma face obscura desse ídolo, suas contradições e fraquezas aparecem. JFK para muitos foi um produto de marketing criado pelo seu pai, Joe Kennedy, cuja fortuna nasceu em negociações obscuras com a máfia, nos tempos da Lei Seca. 
Era um antissemita, um honorável canalha de colarinho branco, disposto a tudo para ter poder. Negociou com mafiosos como Frank Costello e Meyer Lansky, transportou bebidas em contêiner, usando o transporte de tropas, para exportar caixas de uísque e sustentar seus escusos negócios de atacadista de bebidas, usando suas influências como embaixador dos EUA na Inglaterra. Estava convicto que Adolf Hitler venceria a guerra. Como não conseguiu ser candidato à Presidência dos Estados Unidos e tinha perdido seu primogênito na Segunda Guerra Mundial, sua doentia ambição e obsessão abraçaram seu segundo filho, John Fitzgerald Kennedy.
Os fins justificam os meios, esse era seu pensamento, seguindo fielmente os ensinamentos contidos no livro, “O Príncipe de Maquiavel”. Fez acordo novamente com os mafiosos Sam Giancana, que controlava os poderosos sindicatos de Chicago, Carlos Marcello em New Orleans e Santo Trafficante na Flórida, para ajudar a eleger o filho. O acordo era fazer vistas grossas para os negócios da máfia, afinal são apenas negócios. Esse acordo foi decisivo para JFK vencer as eleições. Venceu o candidato republicano Richard Nixon por apenas 0.10% de diferença no voto popular. Eleições que historiadores contestam sua veracidade. 
O acordo com a máfia foi decisivo. Tinha comprado as eleições  primárias da Virgínia Ocidental em 1960. Joe Kennedy, obcecado para fortalecer o prestígio intelectual do filho, pagou aos historiadores, Theodore Sorenson e Jules Davids (professor de história de Jackie Kennedy em Georgetown) para escrever um livro. Assim, JFK com o livro “Profiles in Courage” ganha o prêmio Pulitzer. 
Quando John Fitzgerald Kennedy, o mito pop, dá seu último suspiro, tudo dever ser escondido, apagado, destruído e maquiado. Seu irmão Robert Kennedy dá as instruções para os agentes do Serviço Secreto, comandados por MacGeorge Bundy a mudar todas as fechaduras antes da chegada de Lyndon Johnson.     Tem que desmontar o sistema de gravação no escritório e na sala de reuniões do gabinete, fitas magnéticas, fotografias, relatórios, anotações devem ser apagados. Os segredos da Operação Mongoose, as mentiras sobre a Guerra do Vietnã, a Baía dos Porcos, as amantes, as chantagens, as amizades crapulosas, os assassinatos políticos, a máfia, as visitas femininas na Casa Branca, as fontes de financiamentos e não podem esquecer dos arquivos sobre os caso com Marilyn Monroe, afinal um ídolo tem que ser preservado, mesmo que seja falso.

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