O homem que lia demais

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 14/06/2025
Horário 05:00

O sujeito era um leitor voraz, desses que liam de tudo, o tempo todo. Sua rotina, permeada pelo constante hábito da leitura, tomou ares de certa inconveniência, diante da regularidade e constância quase obsessiva com a qual a ela se dedicava, de forma sistematicamente metódica. Das 7h às 9h, dedicava-se exclusivamente aos jornais, impressos, que recebia em casa, e on-line, que acessava em seu tablet. O leque de periódicos abrangia desde os grandes jornalões, da impressa tradicional e hegemônica, até os blogs de notícias da chamada imprensa alternativa. Lia todos os colunistas, dos famosos aos mais obscuros. 
Das 9h ao meio-dia, as leituras eram recheadas pelos grandes clássicos da filosofia ocidental, preferencialmente, nos campos da ontologia, fenomenologia e metafísica. Ultimamente, dedicava-se a Espinosa, o que o consumia, física e intelectualmente. Durante ao almoço, lia amenidades nas redes sociais, e como sobremesa, lia colunistas sociais que relatavam a vida de famosos e endinheirados, apenas por distração. Durante a tarde, outra longa sessão de leituras densas, que se iniciavam às 14h e consumiam, sempre, às 4 horas seguintes. Comumente, dedica-se à leitura de clássicos da história, biografias de grandes personalidades, sociologia e antropologia. 
No jantar, alternava sua atenção entre o consumo dos alimentos e a leitura de revistas, com notícias da semana, entre outras frivolidades. Após o jantar, a leitura era voltada aos clássicos da literatura universal, indo de Vitor Hugo a Flaubert, de Dickens a Balzac, passando por Machado de Assis e Guimarães Rosa. Às 10h da noite, com olhos cansados e com o cérebro esgotado, o leitor só podia dormir, pesadamente, para talvez, sonhar com seus textos, ideias e personagens. Evidentemente que, pelo quadro descrito, a situação era vista com certa preocupação pelas pessoas próximas. 
Tamanha constância e dedicação à leitura, evidenciava, a todos os outros, uma notória dificuldade com a vida comum e prática, de todos os dias. Embora tivesse condições financeiras que permitiam o estilo de vida incomum, é certo que o sujeito já não vivia, apenas lia. Até mesmo questões simples do dia a dia, como fazer compras ou tomar banho se viam impedidas pela obsessão da leitura, uma vez, como se sabe, não se pode ler e se dedicar a outras atividades, ao mesmo tempo. Não apenas isso, com tamanho comprometimento com a leitura, o sujeito não tinha mais familiares próximos, amigos ou conhecidos, vivia só e isolado, entre os livros e leituras. 
Não era, contudo, infeliz, pelo contrário. Vivia alegre, cheio de ânimo, dominado pela beleza das palavras e do conhecimento que elas proporcionavam, o dia todo, diariamente. Escolhera, de fato, renunciar à vida comum para viver outra, a dos livros. Sabia de tudo um pouco, em alguns temas, sabia demasiadamente. Como viver como os demais, na ignorância e no desconhecimento, que acomete a maioria. Escolha sábia, existencial, lógica e feliz? Continua... 
 

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