O lutador de rua

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 24/12/2023
Horário 06:07

Um Dodge Dart, amarelado pelo tempo, para num posto de gasolina na periferia de São Paulo. Uma mulher loira, com várias doses de uísque na cabeça, cheiro de maconha, vestida como uma hippie, de pés descalços, deixa uma criança perto da bomba de gasolina e desaparece abraçada na sua própria miséria. Para ela, o seu filho vai encontrar um lar decente. Se Deus existir ele vai cuidar dele. 
O menino chama pela mãe, mas não derrama uma lágrima. O velho Amador, frentista do posto, vê essa cena emblemática. Amador também foi abandonado e criado em vários lares. A cena da mãe indo embora sem olhar para trás será a última imagem que o menino terá da sua pobre mãe. Ele vai sempre perguntar: "Da onde eu vim". 
Amador também é um velho solitário e o seu sofrimento o ensinou a não abandonar ninguém. Os anos se passam e Amador é um pai orgulhoso daquele menino que se transformou num forte homem. Ele se chama Bronson e é lutador de rua. Amador adorava o personagem que Charles Bronson interpretou no filme, “Lutador de Rua”, junto com o ator James Coburn. Os tempos eram duros e Bronson ganhou esse nome em homenagem a esse filme icônico dos anos 70. 
No submundo das ruas, as lutas são uma forma de ganhar dinheiro sem regras e sem julgamentos morais. Um lutador de rua tem que sentir ódio, aversão e raiva como um cão raivoso e sem dono. Vive no mundo dos esquecidos. As ruas pensam, carregam sonhos, fracassos, tristezas, música, sexo, liberdade, pecado, bares e boites. Na madrugada, os instintos são indomáveis.  
Bronson se sente dono do seu destino e capitão da sua alma. A sensação de ser amado ouvindo o grito dos esquecidos nas suas vitórias: Bronson, Bronson... Quer sempre ganhar, pois sabe que a vitória tem muitos pais, mas a derrota é órfã. Muitos acham que isso é uma banalidade, uma violência sem nexo. Para Bronson a luta de rua é sua vida, sua poesia, o seu repouso. A luta mais dura para ele será sempre contra a realidade. A dor mais sentida para ele é não ter o amor de uma mãe. O soco mais duro para ele é sempre perguntar: "Da onde eu vim"?

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