Zeca tinha apenas 8 anos, adorava empinar pipas vendo no alto do morro a cidade maravilhosa. Sentia-se livre da triste realidade que vivia. Seu pai era pedreiro e alcoólatra. Quando bebia batia na sua mãe, Anastácia, que era diarista. Estava desempregado, tinha recebido uma intimação do oficial de Justiça para saírem da casa por falta de pagamento do aluguel. Não adiantava mais pedir clemência para João do Morro.
Vida dura que tenho, dizia seu pai. Descia sempre as ladeiras do Morro do Esqueleto, xingando Deus. O pastor evangélico tentou várias vezes levá-lo à sua igreja, mas a bebida tinha uma oração mais forte que as palavras do pastor. Amanheceu caído na sarjeta como um cachorro sem dono. Seu coração tinha parado de bater. Cansou de esperar a esperança. Pessoas passavam apressadas para não perderem o ônibus.
Anastácia o enterrou com lágrimas nos olhos numa vala comum no Cemitério do Adeus. Zeca não chorou. Orlando jogador, chefe do tráfico, acompanhou em silêncio toda aquela triste cena que, para ele, era comum no Morro do Esqueleto. Pagou todo o velório. João do Morro, dominado pela força do dinheiro, não sentiu nada. Joca, o dono do bar onde o pai de Zeca devia e bebia, sentiu pena daquele pobre homem. Lembrou que ele gostava quando Jair do Cavaquinho cantava “O mundo é um moinho”, de Cartola.
O pastor citou trechos do Salmos 23 da Bíblia: "O Senhor é meu pastor, nada me faltará"... Anastácia abraçou Zeca, foram caminhando abraçados um ao outro. Uma lembrança bonita veio por um momento da sua juventude, quando conheceu seu marido, ela sorriu. Lembrou do sorriso bonito, era um jovem cheio de sonhos. Escreveu com carvão, num pedaço de pau em forma de cruz, a frase que seu marido dizia pra ela: "Quando lembrares de mim, lembra-se do sorriso que eu tinha quando te via". Murmurou nos ouvidos do seu filho Zeca:
"O mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó...”.