Eu não gosto da frase “O mundo é dos espertos” porque ela naturaliza o golpe, a sacanagem, a enrolação e coloca o infrator como uma pessoa que é vencedora por passar alguém para trás.
Estou neste assunto porque nas últimas semanas descobri que havia caído em um golpe e pasmem, ouvi muito esta frase, dita de formas diferentes, mas todas elas exaltando o truque e me colocando como uma pessoa que deveria ser mais “esperta”.
Não vou entrar em detalhes do caso, mas apenas reforçar aqui uma estranheza, e porque não dizer surpresa, ao ter que me defender em diversos momentos quando fui questionar o fato. Diziam para mim: “Olha, mas você deveria ter feito isso, deveria ter feito aquilo” ou “Mas você não viu isso antes? Você foi muito inocente!”. Alguém já passou por isso?
Todas estas frases me davam enjoo, na verdade, porque elas mostram que muita gente acha realmente incrível que alguém possa passar o outro para trás. E nem vou entrar no mérito de dizer que quem passa pano para bandido, bandido é igual quando tiver a mesma chance.
Mas, de verdade, eu fiquei bem chateado com esta condição humana porque apesar de não ser nenhum santo, o que me desaponta é que a falta de virtude de alguns se transforma em qualidade para outros.
O antropólogo Roberto DaMatta ficou muito conhecido por textos cruciais da vida cotidiana e uma de suas reflexões cabe aqui: o tal do “jeitinho brasileiro”. Já deve ter ouvido falar, não?
Pois é, em resumo, o “jeitinho brasileiro” é o encontro da brecha na lei para se dar bem e quem consegue esta “façanha” é vista como alguém que venceu o sistema. Óbvio que, por outro lado, quem perdeu no negócio é o bobo, o inocente, o cara que não prestou atenção. Ou seja, tipo eu.
Eu poderia aqui ainda citar muitos outros autores que tratam da “culpa da vítima”, como Willian Ryan, Theodor Adorno e até Hanna Arendt, quando traz a todos o pensamento coerente da “Banalidade do Mal”. A filósofa alemã trabalhou esta ideia ao ser convidada a acompanhar o julgamento de um dos mais perversos soldados nazistas, Adolf Eichmann.
Ao ouvi-lo defender suas atitudes criminosas contra os judeus, Arendt percebeu que Eichmann não se considerava culpado, mas apenas alguém que fez o que fez por seguir ordens e por achar que era o correto a fazer.
Quando a gente destrincha esta ideia da “Banalidade do Mal” para os dias atuais, a gente entende o que tento mostrar nesta crônica desde o começo: a normalização do que é considerado antiético. E não por menos que temos assistido no Brasil o surgimento de tantos movimentos antidemocráticos e que são tratados como “naturais” ou “normais” por uma massa sem autocrítica alguma.
Enfim, deixando o academicismo de lado, reforço que não vou desistir de ser honesto, não. Na verdade, toda esta condição só serve para que reafirme meus princípios e saiba bem quando me afastar de alguém ou de pessoas que vão tentar me convencer de que todo problema tem a ver com a minha reação e não exatamente com aquilo que fizeram contra mim.