O oceano em mim 

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 31/10/2021
Horário 04:30

Apesar de morar mais de 600 quilômetros de distância do mar, eu tenho uma relação umbilical com a areia da praia. Talvez seja por isto que eu sempre procurei viajar nas férias para o litoral. Quando minhas meninas eram pequenas, teve de tudo: acampamento em Parati, temporadas na casa do Rio de Janeiro da tia Vivi, e longas viagens de carro até a Bahia (com direito à paradas pelo caminho, especialmente, Vitória do Espírito Santo)…Sim, porque praia mesmo é na Bahia! Minha nossa, como ficaram esparsos e restritos nossos encontros com o mar! As meninas não moram mais aqui. Bem, e nos tempos da pandemia…
Nada me conecta mais com o mundo do que a beira mar. Me fascina esta zona de transição, nem tanto terra, nem tanto mar, onde estabelecemos nossas primeiras experiências marinhas. Quem nunca correu atrás de algum pertence quando a mudança da maré invade e recua? Quem nunca se divertiu com as peripécias da dona Maria Farinha antes dela se esconder na sua toca na areia? Lembram-se Paulinha e Júlia? Vocês colecionavam conchinhas ou apetrechos ofertados pelas ondas do mar. Fragmentos de lembranças, ciclo sem fim.
É bem ali na linha da maré, com os pés atolados na areia, que eu vivi boa parte das minhas experiências marinhas…fizemos muitos passeios de barco: veleiros, escunas, traineiras ou barcos pesqueiros. Ensaiei alguns mergulhos em águas profundas. Me atirei de rochedos e até mesmo atravessei de caiaque uma laguna repleta de águas vivas (lembra-se, Vela?). Mas o meu lugar no mundo mesmo é na beira mar. Dali eu caminho pela praia até a foz do grande rio. Olho para bem longe e lembro de meus amigos que se conectam com o mundo a partir de outros mitos fundadores nos quais a água exerce o papel de fundamento da vida, do mundo, de um povo. 
No universo aquático amazônico habita o boto e a cobra grande. Para outros a referência das águas são daquelas que escorrem lá das montanhas, que nascem da fonte onde a água surge modelando-se ao percurso do leito de um rio. O murmúrio das águas é a voz dos ancestrais. São águas que borbulham, fervilham, remexem, provocam um reboliço na imaginação. 
Eu quando penso nas águas, penso nos fragmentos do mar em mim. Há um oceano dentro de mim. Eu guardo conversas com os ventos marinhos e suas minúsculas gotículas que massageiam nossa face e exalam perfumes dos mais sutis…Seriam as ninfas oceânicas coroadas de flores? Ou Olokun, o poderoso senhor das águas profundas, com seus segredos do passado e do amanhã? 
 

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