O relicário

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 28/03/2021
Horário 05:08

No dia 12 de março de 2020 ocorreu a minha última aula presencial no curso de graduação em geografia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Presidente Prudente. Já se passaram 12 meses e, infelizmente, o agravamento da pandemia no Brasil acena para um ano letivo ainda mais difícil em 2021. Que forças me fazem seguir em frente? Foi da busca incessante de respostas para esta indagação que me dei conta de sentimentos muito preciosos que guardo secretamente numa espécie de relicário onde coleciono objetos pessoais, sentimentos ou situações vividas no decorrer da minha vida profissional. Para ser mais exato, este valioso relicário começou a ser formado há 45 anos, no desabrochar da juventude, quando me senti desafiado a desenvolver meu senso crítico.

Eu queria ler, assistir filmes, ampliar meu repertório musical. Era uma busca sem fim! E o prof. Raimundo Bandeira Campos foi responsável pela formação do meu interesse pelas ciências humanas. Foi ele que me apresentou (com apenas 14 anos de idade!) as maravilhas da “História da Riqueza do Homem” de Leo Huberman. Lembro-me de suas aulas fascinantes de história geral entremeadas por filmes como a “Dança dos Vampiros” de Roman Polanski, “O incrível exército de “Brancaleone” de Mario Monicelli, “Aguierre: a cólera dos deuses” de Werner Herzog, “Encouraçado de Potemkin” de Eisenstein, dentre outros.

Durante as aulas do Prof Raimundo, percorrendo o processo de transformação do mundo feudal na sociedade capitalista atual, fui impelido a participar de uma espécie de corrida com bastão, assumindo a continuar a corrida de quem me antecedeu. É dessa espécie de corrida que depende a fina sincronia que envolve o acúmulo do conhecimento.  Afinal, de um conjunto de ideias aparentemente desconexas ou dispersas por outras áreas do conhecimento, a comunidade científica vai constituindo um sistema de conceitos e procedimentos metodológicos que dão sustentação à novas ideias ou modelos explicativos do real.

Na minha corrida com bastão eu nunca deixei para trás o meu relicário. Tenho até hoje alguns apontamentos das aulas do prof. Raimundo e os fichamentos de Léo Huberman. Mas também o “18 do Brumário” de Karl Marx, para estudar as revoluções burguesas com o mestre Tota; o BSCS (versão verde) para compreender e aplicar  conceitos de biologia com o prof. Carlos. São muitos livros, discos, fotografias.... muitos mestres queridos! São eles que me dão a certeza de que a medida das coisas não é a morte, mas a vida que o terror e a ignorância não são capazes de destruir.

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