O sonho ainda não acabou?

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 11/09/2022
Horário 05:30

Escutando a música “Have You Ever Seen The Rain”, com Creedence Clearwater Revival, o passado abraça meu coração e as lembranças gostosas dos anos 70, os anos dourados, sentam ao meu lado. Morava em São Paulo num pequeno apartamento na Rua Frei Caneca com meus amigos irmãos, Tiago Marcondes e José Roberto Marcondes. Tinha largado o 4º ano de Psicologia, o Tiago tinha se formado em Arquitetura e o Zé Roberto formou-se em Medicina. 
O Fusca Azul do Zé Roberto estava parado em uma rua qualquer e nós pensando no futuro. Parecíamos aquela estátua do pensador de Rodin.  Estávamos mais angustiados que um goleiro na hora do gol. O tempo da inocência estava no fim, o mundo já não era tão secreto depois que o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, tinha renunciado por causa do escândalo de Watergate. Como era gostoso ser um simples estudante, mas a responsabilidade é uma arma quente e tínhamos que ganhar dinheiro enfrentando a retranca do mercado de trabalho. 
Eu e o Zé tivemos uma ideia, vamos procurar o Tio Paulinho Marcondes, que foi um craque no basquete chegando até a seleção brasileira. Aliás, a Família Marcondes, além de ser uma das famílias fundadoras da nossa querida aldeia, é também referência histórica no esporte prudentino. O craque Tio Paulinho era muito amigo do Júlio Mazzei, famoso preparador físico do Santos e amigo do Pelé. Mazzei que levou o Pelé para o Cosmos de Nova Iorque O futebol americano estava nascendo nos Estados Unidos e Pelé seria o jogador que iria popularizar o nosso esporte bretão na terra dos gringos. 
O Cosmos era formado por famosos jogadores de vários países do mundo, como o famoso centroavante da Lazio, Chinaglia, o magistral volante da seleção alemã e do Bayern de Monique, Franz Bechenbauer e o rei do futebol Pelé. Eu e o Zé empolgado tentando na categoria convencer o Alemão: Vamos procurar o Tio Paulinho e pedir a ele uma carta de recomendação para o Julio Mazzei nos indicando para fazer um teste no Cosmos. Estávamos com 20 e poucos anos, na ponta dos cascos, como se diz na gíria da boleirada, e os nossos sonhos a mil por hora, o que necessitaríamos mais? 
O Zé era um ponta direita velocista, eu poderia jogar como lateral direito e o Alemão de volante. Já pensou Zé, eu pego a bola passo para o Alemão, ele dá uma finta no seu marcador e faz um lançamento de três dedos de 20 metros pra você usar a sua velocidade do The Flash. Você chega na linha de fundo rindo e faz um cruzamento primoroso para o Pelé fazer um gol lindo de cabeça. Putz Magrão, estou arrepiado só de pensar nesse lance. Empolgados continuamos com a nossa fantasia: Sente a torcida vibrando e o Pelé vindo te abraçar. Puxa Magrão, meu coração está explodindo de alegria. O Alemão não dava sinais de embarcar nesse sonho e muito menos nessa deliciosa fantasia, estava quieto e sério com os braços esticados na horizontal no banco de trás, parecia um Pit Bull. Ele era o craque e precisaríamos dele para que esse sonho cruzasse o Atlântico. 
Eu e o Zé já sentíamos jogadores do Cosmos fazendo festas de despedida, dando entrevistas, tirando fotos, dando autógrafos e com contrato assinado. Éramos o tamanho dos nossos sonhos, como disse o poeta Fernando Pessoa. Putz Zé, vamos ser jogadores do Cosmos e vamos rodar o mundo vivendo a felicidade batendo com carinho numa  bola de futebol ao lado de Pelé. De repente, o Alemão começa a nos dar a maior "dura do século XX": Vocês estão pensando que sou o quê? Vocês estão loucos e vão sonhar assim na pqp... Eu estudei e me formei arquiteto e vocês querem que eu jogue futebol no Cosmos? Que palhaçada é essa? Vocês ficaram doidos?  
Calma Alemão, qual o problema? Se não der certo a gente pelo menos volta falando inglês. Mais bronca e cada vez mais pesada. Magrão sabe quem é o volante do Cosmos? Não. É o Bechenbauer. O lateral direito que você acha que vai pegar o lugar dele é nada mais nada menos que o tri-campeão do mundo, o eterno capitão Carlos Alberto Torres e você disse para eu lançar o Zé? E ele cruzar para o Pelé fazer o gol? Sim, qual o problema? O problema é que o lateral esquerdo que vai marcá-lo é o Rildo e o Zé é um Pé Mucho. Pô Alemão, não precisa humilhar, seja mais positivo. Não é questão de ser positivo é uma percepção mais real da realidade, vocês dois estão voando num avião imaginário a 20 mil pés de altura sem gasolina. 
Sentimos o baque desse banho de realidade, mas tentei dar o último sopro de esperança dizendo: Alemão vai ser um experiência fantástica. Veja só, se não der certo eu vou para a noite ser baterista, você vai jogar sinuca e o Zé vai trabalhar em algum hospital como enfermeiro. O Zé não gostou e disse: Eu sou um médico. Olhamos para ele dizendo: Você é médico aqui no Brasil, mas lá você vai ser enfermeiro. O Tiago hoje é um excelente profissional de projetos imobiliários, o Zé se tornou um ótimo endocrinologista e eu virei um simples e amador cronista do cotidiano do jornal O Imparcial depois de aposentado. Até os dias de hoje eu e o Zé ainda discutimos com o Alemão que ele afinou. Poderíamos ter jogado ao lado de Pelé, mas o Alemão pipocou. Vejam vocês.
 

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