Muito embora seja preciso concordar que escrever é melhor que sonhar, os inconvenientes advindos de semelhante comportamento, de escrever ao invés de falar, estava trazendo dissabores ao nosso taciturno de modo que uma “solução” à questão precisava ser encontrada de maneira a remediar descabido procedimento. Os problemas eram maiores na repartição em que trabalhava, pois, o expediente dos bilhetes e textos rebuscados consumia tempo demasiadamente longo de todos, enfurecendo seus colegas que se viam sempre com demandas parcialmente atendidas.
Convocaram o conselho deliberativo e executivo do órgão governamental em que trabalhava, de modo discreto e circunspeto, para que procurassem um meio que pudesse preservar o andamento das inúmeras atribuições do funcionário e não lhe causasse problemas ainda maiores, como se ver sem seu emprego e ordenado, parco, mas regular. Reunidos à mesa, colocaram o taciturno na ponta, lugar especial, centro de todas as atenções. O saudaram e como de costume, ele apenas assentiu com a cabeça. Explicaram os motivos da reunião e ele disse concordar, por meio de um pequeno bilhete, estar a par dos inconvenientes de seu estranho procedimento, acrescentando, ainda, que estava disposto a mudar.
Os presentes deliberaram algumas possibilidades de remediar a mudez do sujeito, situação que se arrastava há pelo menos dois anos completos. Colocaram na mesa uma consulta a um fonoaudiólogo, um psiquiatra, um psicólogo behaviorista e um psicanalista. Cogitaram, é verdade, recorrer a clérigos, entre eles, um padre, um pastor, um pai de santo e uma benzedeira. Um deles disse ter um conhecido que era espírita e com razoável grau de mediunidade que talvez pudesse fazer alguma diferença. As deliberações consumiram três quartos de hora e o taciturno mantinha-se impassível, ouvindo atentamente, mas sem dizer palavra. Perguntaram então, sua opinião e outro quarto de hora foi consumido na redação da resposta, que todos aguardaram, ainda que impacientemente. O bilhete era esse:
“Caros e nobres colegas dessa irreparável repartição, muito me comove as boas intenções que manifestam em relação à minha pessoa, muito embora todos devam concordar que, na prática, são os interesses públicos da minha função, e privados, de vossas senhorias, que ficam, diante de meu comportamento, com acesso apenas parcial aos meus serviços, que o movem em busca de um tratamento à minha singela condição, ainda assim, feita essa observação, os agradeço muitíssimo. Não há, até então, um motivo patológico para a minha condição, sendo, a mesma, uma escolha diante de muitas reflexões a respeito da condição humana, em especial, da vida social, que não me apraz, como muitos aqui sabem. Entretanto, me vejo sem saída diante do impasse que agora se apresenta. Contudo, devo dizer, de antemão, que não acredito em tolices de natureza religiosa, muito menos, em ciências ocultas, tais como a psicologia e a psiquiatria, que em vão, procurar confortar as dores existenciais, ao fim e ao cabo, insolúveis. No entanto, talvez, a psicanálise se apresente como um caminho para a cura pela fala”. Continua...