A condição de sexagenário me impõe reflexões sobre o tempo que não para, acerca do “corpo que se desagrega à medida que a memória vai-se tornando cada vez mais viva”. Por isso recomento “Memória e Sociedade - lembranças de velhos”, tese de livre docência de Ecléa Bosi transformada em livro em 1979, talvez uma das leituras mais impactantes que já fiz na vida. Escritos inspiradores acerca da memória e velhice, da nossa condição de ouvintes e narradores, da função social dos velhos de ligar o que foi com o por vir, como um “diamante bruto que precisa ser lapidado” pelo trabalho de construção da memória de si na sua vinculação com a memória do outro.
Releio os comentários de João Alexandre Barbosa na forma do prefácio, e as arguições da prova oral desenvolvidas por Marilena Chauí como apresentação. Penso no tempo de duração do pulsar da vida. Da batida do coração quando tampo os ouvidos. Do ritmo da circulação sanguínea medida no pulso. Das mudanças de metabolismo com a alternância do dia e da noite ou com a variação da temperatura nas diferentes estações do ano. Respiro, sinto a vida pulsar. Imagino o oxigênio transportado pela hemoglobina desde os pulmões até todas as células do corpo para proporcionar energia ao nosso metabolismo. Mas lembro também do tempo tecido pelas relações sociais do qual faço parte.
Venho lá do tempo das notícias que circulavam muito lentamente. Se o dono de uma empresa quisesse se comunicar com um fornecedor distante, ele provavelmente escreveria uma carta. E as cartas, assim como as pessoas e as mercadorias, viajavam por ar, mar e terra até chegar ao seu destino. Os jornais também eram distribuídos pelas redes de transporte, e muitos deles demoravam até meses para alcançar os leitores.
Eu sou uma testemunha das mudanças profundas provocadas na era da informação. Da integração do planeta pelas redes de comunicação, desde o telégrafo (que hoje parece peça de museu), a transmissão instantânea da voz pelo telefone, o rádio, a televisão de tubo ao LED, dos celulares à internet, dos cabos convencionais de metal às fibras óticas que transmitem sinais digitais por meio de pulsos de luz. Enfim, a disseminação planetária de objetos técnicos que causam profundas alterações nas dinâmicas da natureza, a tal ponto que alguns especialistas propõem que o ser humano seja incluído nas escala de tempo geológico com um novo período chamado de “Antropoceno”. É o tempo que sempre flui como um rio, que segue sem volta. Sempre em frente. É o “tempo, tempo, tempo. Compositor de destinos, tambor de todos os ritmos....”