O “véio” de cabelos brancos

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 28/09/2021
Horário 06:30

Tenho cabelos brancos desde os 25 anos. Herança genética do meu pai. 
Com o tempo e a incrível aventura de ser um jornalista, os poucos fios loiros, sim, eu era loiro – foram sumindo de vez. 
Na faculdade eu costumo brincar com os alunos que me perguntam dos cabelos brancos e digo que não é genética, mas sim da época em que fui editor-chefe de telejornal. Cada edição fechada era um cabelo branco que nascia. 
Entre meus amigos mais chegados e na família tenho o apelido de “Véio”.
Nunca me incomodei e me incomodo menos ainda com as brincadeiras que fazem por ter este telhado nevado. E olha que são muitas. Brincadeiras inocentes ou propositais, daquelas para tirar um bom sarro. 
Agora, eu me divirto mesmo é com a galera que me confunde com um idoso. Confesso que no começo até ficava meio encanado, depois decidi que assim como tudo na vida, levar o que não é importante na brincadeira faz todo sentido.
Certa vez entrei em uma loja de Londrina (PR) junto com minha sogra e minha filha, que na época tinha menos de 1 ano de vida. Minha esposa estava em aula e fomos passear no shopping para esperar. A Maria estava no colo da dona Sônia e enquanto olhávamos os produtos, a vendedora começou a conversar com ela. Eu estava um pouco mais longe. De repente, a menina mandou: “Que netinha linda você tem! Fala para o vovô comprar um presente pra ela” e virou-se para mim com um sorrisão do tipo: “Vai, vovô, compra aí”. Foi o tempo de explicar a ela que eu era genro, e não era avô, e ela desaparecer lá para o fundo da loja.
Mas bravo mesmo ficou um rapaz que trabalhava no estacionamento do shopping em Prudente. Entrei com o carro em um dia bem lotado e de repente vi alguém acenar com as mãos para que eu o seguisse. Pensei comigo que era estranho aquilo. Não era normal entrar no shopping e alguém me direcionar vaga. Normalmente a gente que lute para achar, não é? Bem, fui seguindo o rapaz, ele andando meio ofegante na frente, um esforço danado, e de repente me apontou para a vaga de idoso... Quando abaixei o vidro e ele percebeu que eu tinha cabelo branco, mas não era idoso, saiu meio xingando e eu rindo. Tadinho, mas ele tentou ser simpático.
Mas melhor foi uma atendente de caixa que cismou com meu cabelo branco e meu rosto e viu que aquela combinação não batia. Eu tinha cabelo grisalho, mas não parecia velho. Daí ela resolveu se superar e perguntou: “Você é albino?”
Mano do céu! Já escutei muito, mas “albino”, nunca. Não tive dúvida e mandei: “Não sou albino. Sou dinamarquês. Descendente dos vikings, sabe?” A guria se espantou e quando eu achava que ela iria sacar a brincadeira disse: “Nossa, nunca vi um viking de perto. Posso tirar uma foto?”
A gente ri, né? Mas como não rir quando na farmácia o atendente diz para você que aquele remédio tem desconto para idoso e é só apresentar o RG? 
Não é fácil, mas amigos, a inspiração dessa crônica de tiração de sarro própria veio de uma viagem recente que fiz com vários idosos e eu confesso que além de passar meio despercebido entre eles (hahah), me divirto demais com essa galera mais esperta e sábia que eu. Gosto de ouvi-los contar suas histórias, suas confusões e as descobertas tecnológicas. 
Sabedoria é algo raro neste mundo e eu não perco a chance de estar ao lado de quem sabe mais do que eu. 
Ter mais idade para mim não é motivo de atraso, mas sim de maturidade, de alguém que reconhece muito mais do que qualquer outro o sentido da existência. É quem tem a solidão muitas vezes como companheira por opção e por saber que é ali, no espaço da introspecção, que tudo se completa. É quem tem mais empatia e compaixão, por justamente ter recebido tanto na vida. 
Ter cabelos brancos não te condiciona a ser um “velho”. 
“Velho” é quem pensa assim de forma pejorativa. 
“Velho” é quem discrimina, tem preconceito e se considera melhor por ter alguns anos a menos. Pobre dessa pessoa que um dia vai acordar e perceber que além do corpo, envelheceu na mente e na alma, e aí vai ser difícil encarar uma simples brincadeira.
 

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