Pai, olha pra mim!

Papai Educa

COLUNA - Papai Educa

Data 02/04/2018
Horário 10:55
Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal

Era quinta-feira, pós-expediente e eu ainda resolvia pendências do trabalho pelo celular. Muitas vezes, o jornalismo é compreensivelmente cruel, pois não escolhe hora nem lugar para suas demandas! Já se passava das 20h, o jantar não estava servido, havia brinquedos em miniaturas espalhados pela casa toda. João Guilherme ainda usava o uniforme escolar, segurava um pedaço de papel em mãos e andava atrás de mim à espera que me desocupasse. Enquanto isso, João Rafael explorava uma das gavetas do gabinete do banheiro, colocando a baixo tudo que estava armazenado milimetricamente para caber lá. Quatro itens nadavam na água do vaso sanitário ao mesmo tempo em que meu olhar de repreensão ao ato era devolvido com um sorriso “de canto de boca”.

Na corrida contra o tempo, à medida que buscava solucionar todas as reivindicações do trabalho, tentava manter os meninos “sob controle”, enquanto escutava a mamãe cobrando banho, pois o jantar estava pronto. Entre idas e vindas nos cômodos da casa e o envio das mensagens de texto escritas por áudio, tentava organizar aquela vida em abundância esparramada por tudo quanto é canto. Os minutos eram levados pelo tempo… e lá se foram quase 60 deles.

Nesta mesma frequência, os alertas de novas postagens disparavam das mais variadas redes sociais. Facebook, Youtube, Instagram, Twitter, Whatsapp... E agora me inventaram o Vero. Ah, vá! Todos elas com notificações saltando aos meus olhos com convites para mergulhar no novo, no atual, no factual… E se a informação do minuto passado já não é mais a mesma, que jornalista não se rende a isso? É um deleite.

Clicar em uma notificação é quase uma viagem sem volta. No Whatsapp, então, um pedido de socorro por infindáveis “bolinhas” indicando em seu interior a quantidade de mensagens à espera que você possa zerá-las. Entre elas, súplicas de atenção de um amigo, um familiar, a mãe, o pai, a irmã, o tio, o colega de trabalho... alguém que precise, talvez, de 30 segundos do seu tempo, mesmo que virtualmente, já que quase tudo se resolve por lá.

Sim, quase tudo… Antes mesmo que finalizasse os afazeres, sentado no sofá, à medida em que o bebê tentava alcançar o celular na minha mão, meu primogênito parou ao meu lado e em tom brando, clamou: “Pai, olha para mim”.

Naquela sutileza, me roubou de mim, do mundo, das novas informações, de tudo aquilo que continuou à minha espera e ainda lá está. No pedaço de papel um desenho que poderiam ser rabiscos aos olhos alheios, mas que a mim estavam claramente nítidos como se tivessem legendas e que verbalmente foram enunciados: “sou eu e você, papai”.

Os filhos têm disso. Talvez até você se identifique neste retrato real, onde somos cada dia mais consumidos pelas redes, mesmo que num curto espaço de tempo… ou, quem sabe, por longas horas no dia. Há sempre “uma última coisa a fazer”. É a inclusão digital da exclusão social. Já disse isso em outra oportunidade.

Concomitantemente, o melhor da vida passa diante dos nossos olhos enquanto a conexão está longe do mundo real. Estamos abarrotados de informações, imersos em compromissos virtuais e mais ansiosos e deprimidos por não dar conta de tudo. A internet desembarcou nos lares sem qualquer manual de instrução de uso racional. É altamente sedutora. Faz do irreal tão real. Afague a alma, sinta a pele, o toque, o abraço, demonstre afeto, vivencie o presente longe das teclas e conecte-se no olhar. Reflita, reveja, elimine, desintoxique e reabasteça-se do que realmente vale à pena. O hoje não acabou!

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