Pessoas e cães em situação de rua: além do que se vê

Poeta que viveu nas ruas e morador que ainda vive sob esta condição relata a fria realidade, por vezes, aquecida na camaradagem com os parceiros de quatro patas

PRUDENTE - CAIO GERVAZONI

Data 26/09/2021
Horário 11:00
Foto: Caio Gervasoni
Nas ruas, é possível notar que o sentimento nobre de apego, companheirismo e proteção, muitas vezes, vêm dos parceiros de quatro patas, que não julgam e nem condenam seus donos
Nas ruas, é possível notar que o sentimento nobre de apego, companheirismo e proteção, muitas vezes, vêm dos parceiros de quatro patas, que não julgam e nem condenam seus donos

O comerciante Diego Melo, o “Poeta”, morou nas ruas do centro de Presidente Prudente durante um período de sua vida. Em “Colchão de Chão”, um de seus diversos poemas que escreveu enquanto vivenciou a condição de rua, ele relata: “Muitos nem imaginam o sofrimento de cada irmão. Velhos sentados à beira do caminho, uns com dentes, outros não. Dormindo debaixo de bancos, eles veem os pés brilhantes dos transeuntes. De repente surge alguém... mas, não era ninguém! Era mais um na multidão, sem tempo de olhar pro chão. O mesmo chão, que me serviu de colchão e de lição. E ainda serve pra muita gente nesse mundão”. 
Ao leitor, cabe refletir sobre o que estas palavras trazem a sua perspectiva de mundo, porém, é de bom tom ressaltar que há um véu de exclusão que permeia as classes sociais no ambiente urbano e neste limiar se encontra a população em situação de rua, invisíveis aos olhos de uma parcela considerável da sociedade. Não é difícil encontrar no senso comum uma porção de estigmas quanto às pessoas que sobrevivem nesta condição. Poeta ressalta que há uma série de fatores que motivam a ida de uma pessoa para viver ao relento da própria sorte na rua, cada qual com sua história da vida. Para ele, a vulnerabilidade social pode ser ocasionada por vínculos familiares interrompidos, ilusões amorosas, dependência química, desemprego, entre outras inúmeras adversidades que englobam as contradições da vida em comunidade. “É uma vida muito difícil. A discriminação da sociedade é grande, há sim problemas com drogas e álcool. Mas, no geral, os moradores de rua são bem unidos”, pontua o poeta.
Questionado sobre a relação com os animais, Diego enfatiza que por diversas vezes presenciou os moradores de rua dividirem sua marmita com os bichinhos e que companheirismo e liberdade definem o vínculo entre seres humanos e caninos. “O morador de rua nunca está sozinho. Eles sempre têm alguém do lado deles”, narra Diego.
“Pode não parecer, mas as pessoas em condição de rua cuidam muito bem dos animais. Gostam deles muito mais daqueles que têm casa. Parece estranho, né? Mas o morador de rua sente muita liberdade pois ele não vive trancado dentro de uma casa, ele vive ao ar livre. Então, é por isso que quando tem o inverno e os chamam para os abrigos, a maioria não vai por não gostar de regras. Rotina não existe para eles”, relata. 

 Encontro diante do desalento
A vida em um centro urbano de médio porte, como o de Prudente, que ao mesmo tempo segrega e aproxima, tem histórias e relatos à rodo de casos de amor e ódio. Neste texto, o que vem à pauta é o amor, porém, sem romantizar a situação daqueles que vivem nas ruas. Nestas, é possível notar que o sentimento nobre de apego, companheirismo e proteção, muitas vezes, vêm dos parceiros de quatro patas, que não julgam e nem condenam seus donos.  Muitos cães, que são chutados de bares e restaurantes, abandonados em estradas de terra e vítimas de maus tratos, encontram o recanto humano na pessoa que o acolhe, mesmo em situação de vulnerabilidade social. 
De baixo da sombra de uma figueira, em uma manhã quente e ensolarada em Prudente, Édipo da Silva Alves, que vive na rua há um ano e oito meses, fala sobre sua convivência com os animais. “Olha, muitos dos cachorros que cercam um morador de rua, não são deles. Vem um pra cá, outro pra lá e faz aquela comunhão. Muitas vezes, a gente compartilha com os animais o alimento que as igrejas nos doam. Não é porque a gente mora na rua que não temos condição de ajudar os animaizinhos também”. Édipo relata a lealdade dos cães na convivência. “Ih, rapaz. Já passei por cada uma e sempre tinha um cachorro para me defender. Sempre que alguém mexe comigo tá lá o doguinho [sic] latindo pra espantar o problema”. 


Situação de rua
Em Prudente, o poder público, por meio da Secretaria de Assistência Social e do Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), presta apoio aos moradores. Na cidade havia dois abrigos: um deles, localizado no Estádio Caetano Peretti, na Rua Ipiranga, Vila Formosa, deixou de funcionar no mês passado.  O outro, na Casa Passagem do Sapru (Serviço de Acolhimento à População de Rua), que fica na rua Napoleão Antunes Ribeiro Homem, 431, Jardim Marupiara, continuar a receber as pessoas em condição de rua. Ainda na cidade, há o atendimento diário dos moradores em situação de rua por parte do Creas-POP (Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua). A entidade oferece atendimento psicossocial, orientação e fornecimento de passagens para aqueles que desejam se deslocar para outra localidade. As ações ocorrem no período da manhã, a partir das 9h, no PUM (Parque de Uso Múltiplo), com fornecimento de banho, café da manhã e vestuário. 
 

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