Ponto de inflexão entre o estado de vigília e o sono

A queixa sobre insônia é constante em nosso consultório. Narrativas sobre “passar a noite em claro” repetem-se. Paradoxos também se repetem. Excessos, saturação de ideias e incapacidade para um pensamento organizado estão muito presentes no cotidiano. Esperar o sono é saudável e saber esperar que o sono chegue é algo, em tempos atuais, impossível. A paciência é algo muito esquecido. Há muitos conflitos entre a passagem do estado de vigília e o sono. 
As pessoas consideram que dormir é uma perda de tempo. “Eu tenho tantas atividades para executar! Preciso estudar para a prova, tenho que responder as mensagens no WhatsApp, tenho que me atualizar, quero continuar vendo as séries, etc.” O sono é reparador e fundamental para a saúde mental. Durante o sono, sonhamos. 
Segundo Aristóteles, “O sonho é definido como atividade da alma do homem adormecido, contanto que durma”. Freud, em seu texto, “A interpretação dos sonhos” (1900), enumera as fontes do sonho em quatro tipos: excitação sensorial externa (objetiva), excitação sensorial interna (subjetiva), estímulo somático interno (orgânico) e por último, fontes de estímulos puramente psíquicas. Ele falará sobre essas interferências que resultarão em sonhos completamente, incompreensíveis, mas ao serem trabalhados em análise, terão muito sentido. Os sonhos só aparecerão, em completo sono (REM). 
Atualmente somos invadidos por polarizações que desencadeiam estados psicológicos como ansiedade, euforia, mania, e extrema excitação provenientes de estímulos externos, internos, como Freud salienta em seu maravilhoso texto. Penso que as pessoas anseiam por estar em todos os lugares ao mesmo tempo e atualizar-se em tempo recorde. Há uma urgência e necessidade pela busca da própria identidade, autoconhecimento ou self verdadeiro. As pessoas estão sem condições de criatividade, insights e desejos próprios, querem realizar o desejo, não de si, mas o do outro e muitas vezes, não há desejos. Há mimetismos constantes. 
A sociedade e as influências externas poderão nos moldar em direção às perdas de nossa autenticidade e essência única. Observamos também, que há o excesso de medicalização e precoces diagnósticos. É notório o aumento de profissionais com formações inadequadas, sem nenhuma especialização para atender, para uma escuta afinada e um olhar de humano para humano e as consequências são devastadoras. 
Para dormir, é necessário querer, representa uma passagem ou “luto” entre a vigília e o sono. Deixa-se as atividades, desprende-se de tudo, dos imóveis, dos entes queridos, da dentadura, dos óculos, não precisa levar nada. É um desinvestimento de “tudo”. “No sono, a psique se isola do mundo externo e se retira da periferia. No entanto, o laço não é rompido por completo; se não ouvíssemos e sentíssemos durante o sono em si, mas apenas após o despertar, seria impossível nos acordarem” (Freud,1900). Durma, sem culpa, é muito saudável. Aceite o sono, estimule-o, desligue a televisão e outros equipamentos. O sono é um tesouro para toda a faixa etária.
 

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