Quantos Lucas Penteado existem em você?

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 09/02/2021
Horário 07:00

O ator Lucas Penteado fez história ao protagonizar o primeiro beijo gay durante um reality show na TV brasileira. Foi no “Big Brother Brasil 21”. Em uma época difícil, em que o racismo e a fobia de gênero estão em alta nas redes sociais, o que ele e Gil fizeram foi um ponto de intersecção.
Mas, para surpresa de muitos, a minha inclusive, Lucas deixou o programa no dia seguinte. 
A minha reação não está no fato de que ele deveria ou não continuar lá, mas sim porque há muito tempo eu não via uma atitude de libertação pessoal tão pública e exposta a que todos nós façamos boas reflexões. 
Para quem não acompanha o “BBB”, um resumo: depois de ter tomado decisões erradas logo no início do programa, Lucas foi enquadrado, responsabilizado e disse ter se arrependido. Mas nada impediu que continuasse a ser hostilizado de maneira intensa por quase todos os moradores da casa. Para muitos, uma tortura psicológica que só terminou com a saída dele do programa no último domingo.
Bem, neste sentido, amigo, eu fiquei me perguntando, enquanto lia muitas das mensagens sobre o caso no Twitter: “Quantos Lucas existem em cada um de nós e quantos possuem coragem para se libertar da opressão e da violência que nos cerca nos nossos próprios realities?” 
Nossos realities, diga-se de passagem, são frutos do próprio cotidiano: a família, os grupos sociais, as redes sociais, a escola e o trabalho. Vivemos oprimidos em muitos momentos da vida, sofremos calados torturas psicológicas diversas e temos uma ilusão momentânea de que somos livres porque simplesmente alguém não nos impede de ir para casa ou podemos encerrar nossos perfis a qualquer instante. Mas será que somos mesmo?
Veja o exemplo do mundo no trabalho. Em nosso sistema econômico neoliberal, tão propagandeado como sendo o melhor ou “o mais correto” para o desenvolvimento econômico, há muita violência. O excesso de trabalho, a pressão por resultados, os preconceitos por ser gay, mulher, negro, pobre ou vir de uma condição cultural diferente de quem está acima são as formas de opressão que se escondem atrás de uma vida formalizada e regulamentada. 
Um trabalhador formal, informal, carteira assinada ou liberal, ainda vive hoje sob a sombra nefasta da meritocracia e precisa ouvir constantemente que se não está em uma condição melhor na vida é porque se dedicou pouco. Mas como isso pode ser justo se o ponto de partida não é mesmo para todos? 
Piora muito quando se percebe que o Lucas que existe em você sofre opressão de quem está, em tese, na mesma condição social, de raça, gênero ou cultura. E isso só mostra um fator importante nesta relação: não importa o rótulo, o que vale é a capacidade humana em ser uma boa ou uma má pessoa. Lucas Penteado foi escorraçado no “Big Brother” por quem, em tese, deveria defendê-lo. E amigo leitor, quantos “brothers” estão aí agora, ao seu lado? Quantos deles o fazem sofrer muito, dia e noite? 
E vamos lá: isso tem um nome muito mais real na vida do que os termos superficiais que a internet cria, como o tal do “cancelamento”. Lucas foi assediado e violentado. Moralmente, é verdade, mas qual a diferença no trauma psicológico criado, se a violência é física ou moral?
Assim como o Lucas, nós não somos produtos de ninguém, nem de nada. Somos livres e precisamos estar atentos quando os limites desta liberdade são levados a um jogo de desonestidade e violência. Daí, ou a gente tem coragem e pede para sair ou seremos sempre reféns de rituais diversos de sofrimento.
 

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