Quarta-feira de cinzas

OPINIÃO - Saulo Marcos de Almeida

Data 01/03/2022
Horário 05:00

Com o suor do seu rosto
você comerá o seu pão,
até que volte à terra,
visto que dela foi tirado;
porque você é pó,
e ao pó voltará".

Ai de nós, seres humanos, se não tivéssemos o auxílio da linguagem simbólica. 
Nenhum significado haveria em nossa existência, sem a mediação dos sinais e símbolos, que apontam e expressam sentidos no tempo e na história humana. 
Comunicamo-nos por números, letras e línguas, desde que habitamos o mundo, na sequência natural do trabalho em busca do sustento e sobrevivência da vida.
Marcamos, religiosamente, os locais de luto e perda. 
Fazemos uso simbólico de coisas e objetos, que nos remetem ao passado e que despertam lembranças, saudades no presente e esperanças no futuro. 
Usamos alianças para lembrar do compromisso que temos com a pessoa amada. Guardamos canções, antigas e marcantes, e que dizem tanto de um tempo vivido. 
Até o cheiro e os odores denominados, partilham momentos inesquecíveis, saudosos e, mesmo tristes, marcam a vida de todos nós.
Mas, é curioso que a dimensão simbólica da existência humana não nos ajuda a ver como a vida é efêmera e passageira!
Esquecemo-nos, como seres humanos, do caminho inevitável que todos trilhamos: do útero para o túmulo.
Humano, dizem os entendidos, vem de húmus, matéria orgânica depositada na terra, resultante da decomposição de animais e plantas mortas, que se acumula sobre o solo ou a ela se mistura.
Podemos dizer, então, que não há muito do que se orgulhar da nossa origem humilde. Somos pó e cinzas! 
Em outras palavras e, por razões óbvias, que a religião cristã tratou de criar sistemas para marcar a passagem do tempo apontando, simbolicamente, para o processo de humanização, estado e condição: Somos pó, cinzas e húmus! Temos uma relação existencial com a terra. Nascemos da ação de Deus que nos fez do pó da terra, dela nos alimentamos e a ela voltaremos. 
Assim, a Quarta-feira de Cinzas, tempo de reflexão sobre a vida. Viemos do pó e ao pó retornaremos!
Mas, há um outro elemento contraditório em nossa condição humana: temos a (in)capacidade de nos desumanizar e, de forma brutal e violenta, agredir o outro que é feito da mesma substância. 
Desumanizados, vemos o próximo distante demais e diferente, a ponto de não o achar igual. Sem qualquer identificação que nos solidarize, passamos a conviver isolados e, sem empatia que nos aproxime, não fazemos parte da mesma terra que nos pariu. O outro nos é indiferente, quando muitas vezes, ele é o nosso inimigo. 
Daí a importância das Quartas-feiras de Cinzas e seu apelo ao arrependimento, seu convite a que retornemos às origens humildes e humanizadas que nos levam a recordar que somos húmus, pó (terra) e cinza.
Há esperança, pois contam os textos bíblicos que Deus, em seu infinito amor, imprimiu no barro e no pó da terra a sua imagem e semelhança, para que fôssemos divinamente humanos. 
Quando nos reencontramos com Deus e, contritos reconhecemos nossa condição e natureza, arrependemo-nos: voltamos ao pó e à cinza.
Retornamos de onde saímos e encontramos a essência de todos nós: humanos, humildes e solidários, sempre! 
 

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