Quase Centenário

Sandro Villar

O Espadachim, um cronista a favor do soldado e do soldador

CRÔNICA - Sandro Villar

Data 15/06/2021
Horário 05:45

Fui acordado por uma das minhas irmãs na manhã de domingo, dia de Santo Antônio, e sem tergiversar ela foi direto ao ponto: "O pai morreu por volta das 7 horas. Não haverá velório", explicou a mana. Minha primeira reação: "Que Deus o tenha!" Como é natural quando alguém morre, ainda mais um pai, a choradeira começou e a tristeza se instalou  nos seis filhos, netos e bisnetos, sem contar os inúmeros amigos todos moradores de Mariápolis, na Alta Paulista.
Henrique Pereira da Silva foi embora deste insensato mundo aos 98 anos, o que quer dizer que faltaram apenas dois anos para o bom baiano de Guanamby tornar-se um homem centenário. Uma pneumonia lhe tirou as forças e, nesse vaivém da clínica de repouso para a Santa Casa de Adamantina, pegou  Covid-19 e não resistiu. Caixão lacrado, ele foi sepultado, em Mariápolis, ao lado da minha mãe, dona Ema, já citada em crônicas minhas.
A morte de qualquer pessoa me diminui, pois faço parte da raça humana, como bem disse o poeta inglês John  Donne. Henrique, o seu Henrique, foi praticamente um dos fundadores de Mariápolis, município maior do que Prudente e Adamantina. É, somos grandes em extensão. Sem exagero, ele foi a seu modo um dos chefes da política local. Era udenista de carteirinha e admirava Carlos Lacerda e o brigadeiro Eduardo Gomes, um grande militar nacionalista e legalista, ao contrário de muitos hoje em dia.
Por muito tempo, entre o fim dos anos 50 e metade da década de 70, o seu Henrique foi proprietário de sítios e chácaras. Também gostava de gado e chegou a ter um rebanho razoável. Mesmo com pouca instrução ele soube ganhar dinheiro. Foi dono de açougue. Com essas atividades, digamos, agropecuárias, colocava comida na nossa mesa e nunca passamos necessidades.
Era prestativo e generoso, sem contar que a honestidade - ou seria ingenuidade? - estava em seu DNA. Uma vez o então governador Abreu Sodré lhe entregou uma nota preta destinada à construção da torre da igreja matriz de Mariápolis. Ele repassou todo o dinheiro à comissão responsável pela obra. Poderia ter ficado com "algum", como lhe disseram mais tarde. 
Eu era moleque fã de cinema e todo domingo ia de ônibus para Adamantina, saindo do sítio onde a gente morava, para assistir às matinês ora no Cine Santo Antônio, o cinema mais bonito do Brasil, ora no Cine Adamantina. Não me lembro qual, mas um dos dois, após a exibição do filme, apresentava capítulos do seriado "O Maravilhoso Mascarado".
Ocorre que o capítulo sempre terminava depois das quatro da tarde e eu perdia o ônibus para voltar ao sítio. O jeito era alugar um táxi, o que fiz várias vezes. Levava broncas, mas ficava por isso mesmo. Não consegui ver os 12 capítulos na íntegra, o que acabou acontecendo recentemente. Vi tudo no YouTube, talvez mais de 40 anos depois.
Henrique Pereira também foi delegado de polícia e prendeu sozinho um assassino. Um sujeito chamado Apolônio matou um espanhol a facadas por motivos fúteis e fugiu. Meu pai foi atrás dele e lhe deu voz de prisão. Não sei se falou o famoso "teje preso!"
Do meu pai guardo boas lembranças, mas há também as que não são tão boas, mas isso acontece com a maioria das famílias. Briga de família diverte e até vira filme ou novela. Se eu estou no mundo, é porque ele me colocou aqui com a "colaboração" da minha mãe. Como disse no início, faltou pouco para ele tornar-se um homem centenário, pouco para bater no teto da longevidade, mas penso que ser nonagenário, com uma penca de filhos, netos e bisnetos, já está de bom tamanho. Viveu e deixou viver.


DROPS


Às vezes, o dinheiro fala mais alto do que a voz do tenor.


Tem sede de vingança? Beba água benta.


O Brasil não está à beira do abismo. Está à beira do precipício.


Filme da Semana no Cine Brasil: "Os motoqueiros fantasmas", estrelando grande elenco doidão.

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