Quem é você na fila do pão?

OPINIÃO - Roberto Mancuzo

Data 26/05/2020
Horário 06:08

Vem cá: em que sonho mais louco você se viu jogado em meio a uma pandemia?

Mas de jeito algum eu imaginei, ainda no final de 2019, que viveria este caos diário que é preparar aula on-line, arrumar a casa, prestar atenção em sintomas, passar álcool gel, cozinhar, arruma a casa de novo, acompanhar as crianças nas aulas on-line, debater sobre a abertura do comércio no grupo de WhatsApp, fingir ser feliz e não brigar quando dizem que é só uma “gripezinha”, convencer o amigo que aquela mancha é só uma urticária, que sua mãe tem que ficar em casa, imaginar em que momento o corona vai me atacar quando sair para passear com a dog, escrever capítulos de um livro, dar aulas on-line, convencer aluno que está tudo bem, que a profissão vai sobreviver e, depois desta maratona, ainda ficar vivo antes de ir dormir pensando que amanhã será de novo a mesma coisa.

E esta descrição minha é só de um dos personagens que surgiram na pandemia. Há muitos outros e muitas opções para escolher também se você ainda está meio que escondido embaixo do lençol achando que tudo vai acabar hoje à tarde.

Tem a galera que reinventou a casa. O que antes era só um lugar para dormir, agora virou uma meca do “faça você mesmo”. Em cada cômodo uma experiência. No quintal, ele montou uma hortinha e o jardim agora tem até borboleta; nos quartos, pelo menos uma parede já foi pintada; as maçanetas nunca funcionaram tão bem e os armários, cara, quanta diferença. Estão arrumados por cores e utilidade! E ainda tem o laboratório Master Chef da cozinha todo dia. Pão caseiro agora é feijão com arroz. Já tem gente partindo para drogas mais fortes como pão de fermentação natural e suas intermináveis 36 horas de preparo. Não mexe no meu levain!

E a classe dos estudantes? Essa está bem arrumada mesmo. Eu sou professor universitário e digo uma coisa: toda minha admiraçãopara estes heróis da pandemia. Ao lado dos profissionais da saúde, merecem estátuas e menções honrosas na Câmara. De uma hora para outra, o mundo do estudo caiu em cima deles de uma maneira retumbante. E no mesmo dia tem que ler textos on-line, fazer trabalhos on-line, assistir aula on-line, fazer contas para pagar a mensalidade, on-line, virar um trator para cumprir os 300 trabalhos que foram passados, on-line, porque vou dizer, no começo os professores ficaram tão perdidos com as aulas, também on-line, que para ganhar tempo e entender essa parada nova foram dando trabalho, leitura, atividade e, ainda, pasmem, colocando prazos! E sobre este mesmo coitado estudantil ainda recaem presenças do mal: o irmão pentelho que divide o quarto e o computador, a tia solteira que veio morar em casa, o pai que está em home office sem esperança e que intensificou a cobrança para que você seja alguém na vida (se ainda houver vida), a mãe que reza nas lives da igreja o dia inteiro e faz todo mundo acompanhar o terço no final do dia, e a irmã sofrência que resolveu trazer o namorado para acompanhar o Bruno e o Gusttavo Lima chaparem ao vivo. E daí ele vai para o Google ver se há algum tutorial para sobreviver a isso, encontra como resposta mais de 11 milhões de indicações sobre como ser um aluno produtivo na quarentena. Não é fofo? É ou não é para chorar em posição fetal no banho? O parágrafo ficou grande, mas esta descrição merece. Todo meu amor a vocês, estudantes.

Mas eu só quero ficar longe mesmo é dos cavaleiros do apocalipse, que acompanham seitas estranhas por aí e acreditam que os cientistas, a imprensa e o mundo racional foram vendidos e que o lance édeixara seleção natural de Darwin agir. Os mais fracos, idosos, pobres e desavisados em geral vão morrer mesmo. E, daí?

Como diria meu amigo Renato Russo: “Festa estranha, com gente esquisita”.

 

 

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