Renúncia desinformada: o herdeiro que renunciou a herança pode participar da sobrepartilha?

Bruna Melo

COLUNA - Bruna Melo

Data 24/09/2023
Horário 07:40

O direito diferente das ciências exatas é muito dinâmico e vem a reboque da sociedade. Tradicionalmente o herdeiro após a renúncia era tido como inexistente naquela vocação sucessória, porém houve uma recente decisão do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo que reavivou a discussão a respeito do alcance da renúncia a herança.
Num primeiro momento, é necessário diferenciar a renúncia abdicativa ou propriamente dita da renúncia translativa ou imprópria. A renúncia abdicativa é aquela em que o herdeiro renuncia a herança e o seu quinhão retorna ao monte partível sem um beneficiário específico, ao passo que a renúncia translativa não é uma renúncia na sua essência, sendo na verdade uma cessão dos direitos hereditários a título gratuito ou oneroso, pois há uma cessão para beneficiários determinados.
Em virtude disso, na renúncia translativa ou cessão dos direitos hereditários, há incidência de imposto de transmissão e o valor dos emolumentos são calculados com base no valor atribuído aos bens cedidos. Na renúncia abdicativa não há imposto de transmissão e os emolumentos são calculados como uma escritura sem valor declarado, que em Presidente Prudente custa R$ 558,03.
Mas quando o renunciante não sabe ao que efetivamente renúncia, haveria um vício de consentimento ou defeito do negócio jurídico de erro essencial sobre o objeto? Indo além seria necessário um reconhecimento judicial desse vício do consentimento ou a renúncia não acoberta os bens desconhecidos? Exemplo: o herdeiro renúncia a herança tendo ciência apenas de uma casa de valor módico e depois da renúncia se descobre um valor milionário em precatórios. 
A questão traz diversas reflexões e houve uma decisão recente do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo que trouxe o entendimento de que é possível o herdeiro renunciante participar da sobrepartilha.
CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de sobrepartilha – Renúncia dos herdeiros ascendentes realizada por termo nos autos do arrolamento de bens judicial – Renúncia que não se aproveita aos bens desconhecidos e posteriormente sobrepartilhados – Apelo improvido
Conforme se extrai do voto do corregedor Fernando Antônio Torres Garcia: “Ocorre que, por lógica, o alcance do referido art. 1.808, do Código Civil, destina-se apenas ao herdeiro que conhece o que está aceitando/recusando. Não se pode admitir, à evidência, que o herdeiro renuncie a patrimônio do qual sequer tinha notícia no momento da renúncia.
Essa é a conclusão a que se chega, também, a partir do art. 1.793, §1º, do Código Civil, que estabelece que a cessão feita pelo herdeiro não alcança os direitos que eventualmente lhe sejam atribuídos, no futuro, em virtude de substituição ou de direito de acrescer”. 
E qual a consequência jurídica desse fato para o advogado e para o tabelião? Para segurança jurídica e caracterização da boa-fé objetiva do renunciante, caso a renúncia se dê por escritura pública, é relevante que se descreva quais os bens o renunciante tem ciência. Tal postura releva uma profilaxia jurídica, pois conforme entendimento da referida decisão a renúncia não acoberta os bens desconhecidos à época da instrumentalização da mesma.
É possível lavrar a escritura de renúncia sem descrever os bens? Sim, é possível, mas neste caso haverá o ônus da prova de demonstrar que desconhecia o bem à época da renúncia, o que pode ser uma prova difícil, e que poderá resultar em um imbróglio judicial complexo e demorado.
 

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