Retorne ao coração

OPINIÃO - Sandro Rogério dos Santos

Data 31/03/2019
Horário 07:00

“Retorne a si mesmo. A verdade habita no homem interior”, apelava Santo Agostinho. Em um discurso ao povo, com insistência ainda maior, ele exorta: “Entrai de novo em vosso coração! Onde quereis ir para longe de vós? Ao ir longe, vos perdereis. Por que vos dirigis a estradas desertas? Retornai do vosso deambular que vos levastes para fora da estrada; voltai para o Senhor. Ele está pronto. Em primeiro lugar, retornai ao vosso coração, vós que vos tornastes estranhos a vós mesmos, vagando lá fora: não vos conheceis a vós mesmos, e procurais aquele que vos criou! Voltai, retornai ao coração, desprendei-vos do vosso corpo... Retornai ao coração: ali examinai o que se pode perceber de Deus, porque ali se encontra a imagem de Deus; na interioridade do homem mora Cristo, na vossa interioridade vos renovais segundo a imagem de Deus”.

Somos muito exteriorizados. Alguns frequentadores de academia de ginástica, por exemplo, a confundem com estúdio fotográfico. A satisfação não lhes estaria na saúde proporcionada ou no arejamento da mente cujo corpo está sadio. Não. Ela estaria na divulgação para o mundo. Se as pessoas não lhes veem nem sabem que fazem, por que, então, deveriam treinar? Já se falou tanto de cultura da aparência, mas não o suficiente para que esta fosse superada ou transformada. O tempo quaresmal quer ajudar os cristãos a se olharem com mais firmeza e sinceridade, especialmente, para o interior, para a fonte das forças, para o lugar do encontro com o Deus vivo.

O ser humano apercebe-se da falta, e sai à procura de preenchê-la. Nessa busca, para muito mais nas coisas aparentes, nos prazeres fugazes, no brilho das luzes e empolgação momentânea. Tanto mais esvaziados, mais nos enchemos de barulho e queremos nos despistar. Temos medo do vazio, verdadeiro horror do silêncio. Lembro-me da senhora cuja casa, onde morava sozinha, tinha cinco aparelhos de televisão sempre ligados. Assim, acreditava, não se sentiria solitária. Vivemos uma crise de interioridade. Ficamos aprisionados ao exterior. Fomos de algum modo preenchidos pelo medo, pelo escapismo – ambos sintomas da secularização. Um mundo fechado em si, sem horizontes para o eterno.

“Cristo habita na interioridade do homem” (Santo Agostinho). Uma imagem que nos ajuda a realizar esta conversão interior, é-nos oferecida pelo evangelho no episódio de Zaqueu. Aquele homem que quer conhecer Jesus e, para isso, sai de casa, entra na multidão, sobe a uma árvore... Procura-o fora. Mas, eis que, quando Jesus passou, viu-o e disse-lhe: ‘Zaqueu, desce imediatamente, porque hoje tenho de entrar em tua casa’ (Lc 19,5). Jesus traz Zaqueu de volta à sua casa e ali, no segredo, sem testemunhas, acontece o milagre: Ele conhece verdadeiramente quem é Jesus e encontra a salvação. “Nós nos parecemos muito com Zaqueu. Procuramos Jesus e o procuramos fora, nas ruas, na multidão. E é o próprio Jesus quem nos convida a voltar à nossa casa em nossos corações, onde Ele deseja encontrar-se conosco” (Frei Raniero Cantalamessa).

Escute o chamado: “vamos, homenzinho, abandona as tuas ocupações por um momento, esconde-te um pouco dos teus pensamentos tumultuados. Abandone agora as suas pesadas preocupações, adie os seus compromissos laboriosos. Dedique-se a Deus por um tempo e descanse nele. Entra na câmara do teu espírito, exclui tudo dela, exceto Deus e tudo o que te ajude a buscá-lo, e quando fechardes a porta (Mt 6,6), buscai-o. Dize agora, ó meu coração, na tua totalidade, dize agora a Deus: ‘Busco o teu rosto; o teu rosto, ó Senhor, eu busco’ (Sl 27,8)” (Santo Anselmo de Aosta).

Seja bom o seu dia e abençoada a sua vida. Pax!!!

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