Romper para não se corromper

OPINIÃO - Sandro Rogério dos Santos

Data 29/01/2023
Horário 05:00

A seguir, uma ficção. Estava envolvida até a medula naquele esquema de desvios de recursos da merenda escolar. Algumas – não poucas – pessoas participavam e ninguém ousava tocar no assunto. O chefe da organização era “justo” na distribuição dos dividendos. Angustiada todos os dias com a situação não sabia como sair-se nalguns casos nem como sair do esquema. A cada dia novas pessoas eram associadas, para garantir o sigilo. Mas como garantir o sigilo se a cada dia novas pessoas entram nele? Um dilema de não fácil resolução. A sua dificuldade estava em querer ajustar-se na vida. Queria casar e educar seus filhos – em bons colégios, com boas vestes e numa casa digna – e tudo o que fazia, por ora, era construir em bases movediças de corrupção rasa. Percebeu que aos poucos não tinha amigos, só gente cujos interesses se entrelaçavam. E tais pessoas alimentavam-se de chantagens, desconfianças, sabujices aos “chefes” – o que as tornava vis. 
Moça, não ingênua a essa altura da vida, não sabia como sair do esquema com a menor chance de danos para si e para os seus. E todos os dias era cobrada para que os recursos fossem bem e logo canalizados para irrigar as contas dos que dele dependiam. Ia a Igreja regularmente e isso a deixava ainda mais em frangalhos. Nem prestava muita atenção ao sermão do padre, mas na imagem dos anjinhos aos pés de São Miguel. Era inevitável contemplar a figura do diabo derrotada. E nessa figura por vezes se enxergava. Via-se derrotada, sob os pés do príncipe angélico guerreiro. Intuía que a sua hora estava próxima. Mas estranhamente não tinha medo e ficava ali por tanto tempo a contemplar a figura que a despertava para a possível libertação. 
Trocou os seus sonhos pela ideia de ver-se logo livre de tudo e pensava que o quanto antes queria “ser vencida” pelo anjo de Deus. Acreditava que os seus sonhos não valiam mais a pena. Era como ter colocado todos os ovos na mesma cesta e, de repente, a cesta se espatifou ao chão. Agora, tarde, bem tarde, tarde demais... não é possível reconstituir-se, não é possível reinventar-se. Seus comparsas estão arraigados em tantos pontos que não há para onde ir sem ser notada e cobrada. Ainda mais ela que havia planejado tudo e foi dando linha na pipa e deixando as coisas avançarem. Era alguém enroscada na sua própria teia, subsumida no buraco por si mesma cavado.
Sem coragem e esperança a vida jamais vingará. A todo (e qualquer) tempo é possível romper laços e refazer roteiros para não se corromper. Eis a conversão. Necessária. Urgente.
Seja bom o seu dia e abençoada a sua vida. Pax!!!
 

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