Significados e atos

António Montenegro Fiúza

«Mais vale é nenhum pássaro na mão. Mais vale é ver a passarada desfraldando asas na paisagem. O céu, afinal, só foi inventado depois das aves.» Mia Couto, Estórias Abensonhadas (2003) 

A literatura lusófona, sendo escrita em uma única língua, abarca uma ampla profusão de países e culturas e compreende as literaturas portuguesa, guineense, santomense, cabo-verdiana, brasileira, timorense, angolana e, ainda a moçambicana; geograficamente, abarca a Europa Ocidental, a África Ocidental, a Austral e a Oriental, o Oriente e a América do Sul – tal riqueza é demonstrada, ainda no simbolismo e no significado que as diferentes palavras ganham e na complexidade semântica que atingem. As palavras ganham novas forças e nuances, à medida que são proferidas, e em cada cultura apresentam um ímpeto ou um vagar próprios. 
Um dos escritores mais profícuos da lusofonia faz precisamente isso: joga com as palavras, une-as umas às outras, criando novos e impressionantes sentidos; tal como acontece com as estórias, que numa única palavra são sonhadas e abençoadas.  
Mia Couto destaca-se enquanto escritor moçambicano, dada à extensão da obra literária, a qual inclui de poesia a crônicas, passando por romances e contos. Com mais de 25 livros editados, é considerado um dos maiores expoentes da literatura africana, cujas obras foram traduzidas em mais de 22 línguas, e tendo vencido o Prêmio Camões em 2003 e o Prêmio Literário Internacional Neustadt, no ano de 2014.
Na sua escrita, mistura palavras portuguesas e moçambicanas, recriando-as; traz à luz da contemporaneidade a tradição e a cultura africanas, guardadas nos recônditos baús da memória – cria provérbios, metáforas, imagens e paradoxos, eleva figuras de estilo e significados num bailado semântico que entorpece e esclarece a mente.
O autor escreve sobre a sua terra, as suas gentes, os seus costumes e hábitos, tradições e superstições; escreve como se contasse uma história ou estórias, ao jeito tradicional africano e revela os sonhos entretecidos por debaixo da capulana. Mia Couto expressa as esperanças do futuro e os desejos do passado, inspira os mais jovens e acalenta os mais velhos.
Em África, diz-se que o crioulo é a língua materna e o português, a língua paterna – juntos fecundaram e originaram uma singularidade literária que mistura palavras, significados, sonhos e atos de riqueza desmedida. Por toda a lusofonia, este é o sentimento pungente: a beleza e a abundância lexical e semântica que advêm da simbiose das culturas.
 

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