Só uma palavra

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 18/09/2022
Horário 04:30

Passei o dia de hoje em absoluto silêncio. Não que eu estivesse sem oportunidade de falar com alguém naquela viagem interminável, cercado de pretextos e pessoas com quem jogar conversa fora. Mas eu simplesmente não estava com cara para amigos e nem mesmo procurei me interagir com quem quer que fosse. Apenas fiquei ali sentado no galpão de espera e numa luta constante contra as palavras que insistiam em soar na minha cabeça. 
Dizem que é esse o exercício dos monges budistas. Eles simplesmente procuram alcançar o estágio do “não pensar” (seria o tal do “nirvana”?). Concentração profunda nada trivial! No meu caso, eu percebi que no silêncio havia uma avalanche de palavras que povoavam a minha cabeça, transformando-se rapidamente em imagens como de um filme. Melhor dizendo, fragmentos de filmes de diferentes épocas. 
Tentei identificar se havia alguma palavra que não fosse associada às imagens, mas, se elas existem, devem passar rapidamente como se fossem flashs. Não consegui captá-las. Elas devem ser aqueles objetos da psicanálise, pensei comigo, palavras que expressam ideias e sentimentos subliminares que precisam da atenção flutuante de um bom terapeuta. Deixei-as de lado e comecei a me divertir com outros tipos de palavras, as que se repetem numa escala rítmica, formando belíssimas composições sonoras. Sim, existem palavras que se tornam filmes e outras que soam como música!
Aparentemente, eu achava que era aquele zumbido constante que escuto no meu ouvido, mas na verdade era um conjunto de palavras que fazia parte de melodias sobrepostas, fragmentos musicais remanescentes de situações cotidianas longínquas. Comecei a cantarolar um refrão aqui, uma frase musical acolá. E o tempo foi passando na busca do silêncio que não chegava nunca. 
Que situação angustiante. Pior do que isso. A angústia é uma porta aberta para a melancolia. Esse sofrimento marcado por um misto de tristeza e angústia que foi tão presente durante a pandemia. Estranha experiência do tempo longo e interminável do isolamento social, associado aos episódios fugazes do mundo globalizado. 
Daí em diante, eu me reencontrei com as palavras não ditas... Algumas delas são explosivas e talvez nunca sejam ditas. “Só uma palavra me devora”, aquela expressa na famosa letra da canção de Fagner: “Só uma palavra me devora... aquela que o meu coração não diz [...] Nada do que quero me suprime. Do que, por não saber, 'inda’ não quis”
 

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