The Bad Hair

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 12/02/2023
Horário 07:45

Anos 60 é reconhecido como os anos rebeldes. Enquanto na América os jovens estavam quebrando paradigmas procurando uma forma diferente de viver com mais liberdade, o festival de Woodstock, os hippies, a pílula anticoncepcional, a efervescência do movimento estudantil e o avanço do feminismo simbolizavam as mudanças importantes no comportamento social de uma sociedade conservadora. 
Numa pequena cidade do interior de São Paulo, chamada Presidente Prudente, três jovens amigos sentados numa mureta desfrutando da sombra deliciosa de um pé magnífico da famosa jaqueira da Avenida Washington Luiz curtiam a vagabundagem filosofando sobre a vida. Bem humorados conversavam sobre cinema, música e sabiam tocar instrumentos musicais. Persio, Alceu e Nelito (in memoriam), amigos irmãos, viviam o tempo da inocência. 
Uma moda incomodava eles demais, que era a ditadura dos "Cabelos Lisos". Ditadura? A maioria da rapaziada tinha cabelos lisos e as meninas adoravam. O símbolo dessa ditadura era o cantor Ronnie Von, conhecido como o Príncipe. Aqui entre nós o cara era bonito demais e quando fazia o movimento com sua cabeça no refrão da música "Meu Bem" seus cabelos puramente lisos voavam livremente como pássaros no céu e as meninas iam à loucura. Que inveja eles sentiam. Deus não foi justo com esses três amigos que tinham que usar a insuportável "Touca" para alisar seus cabelos ruins e tentar despertar atenção nas meninas. 
Para irem na sessão de cinema no Cine Presidente, que começava às 19h30, tinham que entrar na "Touca" às 16h. Às vezes perdiam a sessão por causa desse ritual maligno. Os cabelos ficavam "lisos", mas muito duros que nem o mais poderoso furacão dos trópicos conseguiria mexer um só fio de cabelo. Que sofrimento. Pra complicar, os galãs da época, Marco Antônio Ceravolo, o Brad Pitt prudentino, Celso Oishi, Rodrigo Arteiro, Florivaldo Leal, o Vado, sugavam a atenção das meninas. 
Celso Oishi namorava a Lucimara, filha de Paulo Constantino e de Da. Maria Auxiliadora, Rodrigo Arteiro cujo apelido era capitão, namorava a Renata Lemos a musa eterna, e o Vado, filho do eterno prefeito Florivaldo Leal namorava a Princesa Maria Amália Bata. Que parada indigesta para esses três amigos. Que moda insuportável, diziam eles. Somos magros, feios e ainda por cima nossos cabelos são ruins, Deus não foi generoso com a gente, disse Persio o Magrão. 
Num tom melancólico continuou expressando sua revolta: "Estou prestes a admirar o poeta grego da antiguidade Diagóras o "ateu". Para chamar a atenção resolveram formar um grupo musical chamado The Bad Hair: Persio na bateria, Alceu na guitarra e Nelito no baixo. Ensaiavam no porão da casa do Alceu e um dia viveram um sonho. A Musa Silvia Helena (in memoriam) considerada a  Marilyn Monroe prudentina, entrou no porão e cantou “The Look of Love”, de Burt Bacharat, da maneira mais sensual e eles voaram nas asas da imaginação. 
Essa Deusa deu atenção a eles e por instantes se sentiram na eternidade. Fizeram a estreia na casa de outro galã de cabelos lisos, o Ricardo Peretti, conhecido pelo codinome de Pacardão. Mas a fama durou poucos compassos. Como se livrar desse sofrimento? Os três amigos resolveram quebrar paradigmas. Vamos alisar os cabelos numa cabeleireira, sugeriu Nelito, o mais roqueiro dos amigos. O que a sociedade vai pensar da gente disse Alceu, o líder dos Cabelos Ruins. Era um ato extremamente revolucionário e estavam dispostos a tudo. 
Vão chamar a gente de V... disse Persio. "Dane-se vamos para o tudo ou nada, cansamos de jogar nas "quatro linhas". Maldito Ronnie Von. Já pensaram quando chegarmos na Pane com os cabelos ao sabor do vento? E eles sonharam. Se a Cristina Miranda, a Eliana Ceravolo, a Regina Vitale olharem para nós com outros olhos, vai ser como Deus tocasse em nossos corações. Ficaram emocionados com essa citação do Magrão. Esse desejo, essa sensação deram mais coragem a esses três revolucionários dos costumes. Somos da contra-cultura prudentina, bradaram os três amigos. 
Ficaram pensando em qual salão iriam. Resolveram ir no salão da Norma. Não sabiam que tinha que marcar horário e quando entraram o salão estava cheio de mulheres. O buxiço foi inevitável. Inventaram uma desculpa e saíram na categoria, mas a fama que tinham saído do armário correu como um raio. Ser um revolucionário exige sacrifícios e muita coragem e leva tempo. Resolveram abrir o jogo com a Norma e ela foi compreensiva e marcou um dia de segunda-feira onde o salão ficava fechado. Os três amigos chegaram no salão antes do horário marcado, estavam nervosos e ansiosos. Norma tinha avisado mais duas profissionais para ajudá-la. 
Timidamente eles sentaram na cadeira e cada profissional analisou que tipo de shampoo, de creme, de condicionador iriam usar. Foram quilos de produtos químicos, massagens, horas naquela máquina de secar, mais massagens nos cabelos, até que chegou ao final dessa revolução. E não é que ficaram com os cabelos lisos. Foram para o grande teste que era  na esquina do Colégio I.E. Fernando Costa, na lendária  saída do Colégio Cristo Rei onde as meninas saíam ao meio-dia e passavam em frente ao I.E.  Por que na esquina do I.E? Lá ventava muito e desejavam que o efeito Ronnie Von acontecesse de maneira natural, ao sabor do vento.  
Chegou o momento sagrado. Os três amigos revolucionários ficaram parados na esquina do I.E no olho do furacão. Quando as meninas começaram a sair e passar perto deles, começam as lamentações: Alceu, Nelito, o meu cabelo até agora não levantou um só fio, disse o apavorado Persio, e olha que está ventando forte. O meu também disse Alceu. O meu nada ainda disse Nelito. Os cabelos estavam aparentemente lisos, mas estavam grudados e duros igual a um concreto de tanto creme e outros produtos que foram usados.  
A frustração foi tão grande que eles pensaram que foi uma vingança de Deus, não tinham respeitado a natureza divina. Voltaram para suas casas tristes demais e mais revoltados. Além de cabelos ruins a fama de v... correu como uma pavio de pólvora aceso. Agora que estamos feios na traia, nossos cabelos ficaram uma merda e com fama de v..., disse o revoltado Persio. Até quando vamos ser prisioneiros dessa ditadura dos cabelos lisos? Vamos voltar a usar a maligna "Touca", o símbolo do fracasso? 
Assim ficaram os três amigos, cheios de perguntas sem respostas. Mas como disse o ditado: "Não há mal que sempre dure e nem bem que nunca se acabe". A moda black power chegou e caiu igual uma luva para os  cabelos ruins. Os cabelos lisos queriam ter os cabelos encaracolados, mas Deus é justo. Os três amigos tiraram o recalque e deixaram seus cabelos crescerem sem medo de ser feliz e jogaram a lazarenta da "Touca" no lixo e a fama de serem V... sumiu feito fumaça. 
Desfilavam seus cabelos black power que pareciam um "caminhão de cana" e as meninas queriam tocar nos cabelos ruins. Persio e Alceu continuam amigos/irmãos com saudades do amigo Nelito, que foi em busca de aventuras em outros mundos. Vejam vocês. 
"Se você quiser ouvir então a minha história
Sobre alguém a quem eu muito amei
Só direi que ela deixou sua imagem ilusória
No meu coração que eu fechei
Ah, meu bem!
Meu bem!...

Fotos: Cedidas

Alceu


Nelito

 

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