Tiradentes merece um feriado? 

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 21/04/2022
Horário 04:30

O feriado que hoje celebramos é oportunidade ímpar para refletirmos sobre a historiografia, isto é, sobre o fazer científico da História. Sim, a História é uma ciência, pois desde o século XIX estabeleceu para si métodos de pesquisa que garantem que o historiador é capaz de narrar o passado de forma científica e verdadeira. 
Apesar disso, como afirma o filósofo e historiador alemão, Reinhart Koselleck, os historiadores precisam lidar com uma aporia relativamente complexa, para o autor: “a História não pode negar que precisa sustentar duas exigências que se excluem: produzir enunciados verdadeiros e admitir a relatividade dos seus enunciados”. Na prática, isso significa que as verdades históricas são sempre relativas a um determinado tempo, ou seja, a verdade defendida por um historiador do passado pode ser diferente daquela de um historiador contemporâneo.
A grande questão é que essas diferentes verdades não se anulam reciprocamente, mas somam-se para que possamos conhecer cada vez mais o passado que nos fascina. A controversa figura de Tiradentes e as diferentes formas com as quais a historiografia a representou é bastante significativa para essa reflexão. No século XIX, durante o Brasil Império, esse personagem era pouco conhecido, não existia pra ele um feriado e sua figura em geral era associada à traição, daí a alcunha de inconfidente. Raramente era citado pelos historiadores. 
Após o golpe republicano, de 1889, empreendeu-se todo um movimento de negação do Brasil Império e de enaltecimento de figuras e ideias republicanas, e nesse momento, os historiadores irão criar e consolidar a imagem que hoje temos de Tiradentes. O mártir da Inconfidência Mineira, o pobre coitado, o profissional mal sucedido que deu certo apenas como “tiradentes”, o único a assumir abertamente a luta contra os portugueses, o herói da República que os artistas pintaram com grande semelhança a Jesus Cristo. 
A nova historiografia brasileira, que passa a ser produzida a partir dos anos 1980 e 1990, complica ainda mais a questão. Joaquim José da Silva Xavier era um rico proprietário de terras e escravos, que embora tenha tido certo protagonismo na inconfidência, estava longe de ser o seu líder e seu forte ideal revolucionário assentava-se mais nos interesses econômicos que a ruptura com Portugal representava do que ideais republicanos que supostamente teria. 
Na era da Pós-verdade, a atenção ao método científico e aos métodos historiográficos é a única forma de garantir conhecimento seguro, ainda que reconheçamos a pertinência da aporia de Koselleck. 
 

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