Transição: para ser, precisamos perder

Era domingo e estava em um supermercado. Passando pelo caixa, observei a atendente e comentei, sobre o quanto deveria ser difícil para ela, estar até àquela hora, trabalhando em pleno domingo à noite. Para minha surpresa, respondeu que: “É uma opção minha, trabalhar aos domingos, prefiro folgar durante a semana. Não gosto de domingo, fico nostálgica e deprimida. Trabalhar é uma forma de evitar o tédio e assim, o dia passa voando”. Foram palavras dela. 
Ouço com frequência essa narrativa. Muitas pessoas queixam também. É um mal-estar em decorrência do final de semana, significando muitas vezes a separação e solidão. Para algumas pessoas, o trabalho é a única forma em relacionar-se. Vivemos todos, sem nenhuma exceção, por situações transitórias, pela dor de final e início de algo, ou seja, o luto no dia a dia é inerente ao ser humano. O domingo, por exemplo, nada mais é do que um marco, um sinal de que a semana acabou, isto é, o luto de mais uma semana e o início de outra, uma transição, passagem entre uma semana e outra. 
Há uma sensação de perda de algo. É como se tivéssemos algo em nossas mãos e perdêssemos. Toda passagem ou transição geram angústias. Isto também ocorre quando chega a data de aniversário. Observem, quando está chegando o dia, instala-se um pequeno mal-estar e não identificamos o motivo. Queremos permanecer no anonimato e sem direito à festa. Muitas vezes, gostaríamos de estar longe, viajando. Sensibilidade, fragilidade e carência à flor da pele. Ansiamos por algo, mas desconhecemos o que seja. Este momento, nada mais é do que a transição entre uma faixa etária e outra, ou seja, o luto de todo um ano e reconhecimento de que o outro está por vir e nascer. Resulta também em uma sensação de perda. 
E as festas de final de ano? Para algumas pessoas, tanto o Natal como o réveillon representam um desconforto, mal-estar e o desejo de que passassem voando. É mais um luto pelo qual passamos, perdemos um ano e ganhamos outro e novo. A sensação de perdas é aniquiladora. Muitas vezes, esse sentimento ocorre, por causa do medo pelo desconhecido ou do novo. Medo do que está por vir. São muitas expectativas que criamos e isto gera insegurança. E muitas vezes, quando o momento chega, a idealização é tão grande que não vivenciamos de forma emocional o fato. E assim, o resultado ou a consequência é de um grande vazio, pois, não há registros emocionais. 
Sensações e percepções são vitais para nossa essência, pois estão relativamente imbricados com as lembranças, caso contrário, não vamos lembrar até mesmo dos melhores e menores detalhes. Temos também as transições universais, de que ninguém escapa, que são as passagens da infância à adolescência, um período evolutivo onde transformações biopsicossociais acontecem, determinando um momento de passagem do conhecido mundo da infância ao tão desejado e temido mundo adulto. Tudo isto representa a mesma dor e o prazer de tornar-se adolescente e adulto. Sabemos que não são simples essas transições, ou seja, passagens. 
Não é fácil também, atravessar a ponte entre ser adulto e idoso. Essas transições causam muitas dores e conflitos, pois são mudanças e transformações muito complexas. Também trazem sensações de lutos, perdas e medo do novo, devido à passagem entre uma fase e outra. 
Para finalizar, gostaria de colocar um verso que li no livro de Elizabete Kubler-Ross, chamado “Sobre a morte e o morrer”, uma grande obra por sinal, que diz assim: “O machado do lenhador pediu à árvore que lhe desse um cabo. A árvore lhe deu”. Perdemos para ganhar. Perdemos nossa infância para ganharmos a adolescência e assim sucessivamente. O que não podemos perder nunca é a capacidade de acreditar, ou seja, “nunca pare de acreditar”. Podemos fazer escolhas de viver na morte diante de perdas, mas temos também a escolha de poder viver diante das perdas, o lado vivo.
 

    
 

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