Abrir espaços para a oração

OPINIÃO - Sandro Rogério dos Santos

Data 09/06/2019
Horário 05:01

A vida espiritual precisa de alimento saudável para suportar o orante no seu caminho a Deus e aos outros. Considerando que o ser humano é corpo e alma, compartilho alguns pontos de estímulo e apoio para um momento de oração. Sirvo-me de experiências e obras da teóloga Dolores Aleixandre, das RSCJ (Religiosas do Sagrado Coração de Jesus). Quando rezar... parta da realidade; amplie o seu desejo; insista e permaneça; peça a afinidade com Jesus; entre no escondido; deixe-se alcançar.

Santo Inácio de Loyola ensinou que “não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e degustar as coisas internamente” (EE 2). Dolores ensina que a oração não é algo distinto do amor: fazer-nos receptivos, compassivos e serviçais é nossa humilde maneira de amar quando nos decidimos responder a outro. Amor maior que nos reclama consentimento e acolhida; quando nosso coração quer bater ao ritmo de sua compaixão; quando buscamos, ainda que pobremente, a identificação com os caminhos de serviço que ele mesmo percorreu.

O ponto de partida da oração terá de ser sempre a realidade, o chão do cotidiano, com sua opacidade e seus conflitos, com suas ameaças e contradições, com sua brecha também para uma dimensão invisível, mas pressentida. A oração não pode ser fruto de uma recusa à complexidade do real nem uma fuga para um mundo ideal ou esotérico, a salvo da alteridade que questiona e condiciona. Orar não é fugir de nossos próprios problemas nem nos desentender com o mundo, mas “nos arrimar” em Deus levando tudo isso, sem negar toda a sua carga de multiplicidade e de discordância.

“Vinde a mim, vós todos que estais oprimidos de trabalhos e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo... porque o meu jugo é suave, e o meu peso, leve”, convidou-nos Jesus (Mt 11,29-30). É certo que a oração pode nos sossegar e tranquilizar; no entanto, onde realmente podemos discernir sua autenticidade é na capacidade que ela nos vai dando para, segundo uma expressão já clássica, “carregar” a realidade e nos “encarregarmos” dela. Outro passo para quando for rezar é ampliar o seu desejo, a insatisfação, pois a oração nasce de nossa pobreza e dispara como uma flecha a partir da tensão desse arco.

O que afoga a oração é o engano de uma saciedade aparentemente satisfeita ou a suficiência que nos impede de reconhecer nossa indigência e nossos limites: “porque tu imaginas: ‘sou rico, enriqueci e não preciso de nada’ e não sabes que és um infeliz, miserável, pobre, cego e nu” (Ap 3,17). Apesar das correrias e falta de tempo, mais obstaculiza a oração: o racionalismo, o psicologismo, o narcisismo, o confortável bem-estar, o ativismo compulsivo, confundir tolerância com amor... O desejo nos arrebata para além da estreiteza de nossos limites...

“Amar, como orar - diz J. M. Fernández-Martos -, é alojar um estranho nas próprias entranhas. É deixar que o projeto, os desejos, a vida de outro... inundem nosso projeto, nossos desejos, nossa vida; e isso, que é uma divisão, paradoxalmente nos integra. Na massa escura de nossos desejos, a presença de Outro que é maior que nós mesmos vai nos preenchendo, de desejo em desejo, em direção a uma maior transparência de nós mesmos”. Orar é uma tarefa árdua de relacionamento com Deus, que é um Alguém, um Outro. Comece! Seja bom o seu dia e abençoada a sua vida. Pax!!!

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