A fila que não anda: o colapso da rede estadual de saúde em Prudente

OPINIÃO - Marcelo Creste

Data 09/10/2025
Horário 04:30

Há regiões no Estado de São Paulo em que o conceito de fila na saúde pública deixou de ser apenas um problema de gestão: tornou-se parte da estrutura do sistema. Em Presidente Prudente, quase um milhão de habitantes dependem de um único hospital estadual para cirurgias, exames e consultas de média e alta complexidade. O resultado é o previsível: filas sobre filas, uma fila dentro da outra.
O cidadão aguarda meses pela consulta com o especialista. Quando, enfim, é atendido, precisa aguardar novamente para realizar o exame. Feito o exame, volta à fila para o retorno. E, depois, outra fila para a cirurgia. Nesse tempo, o diagnóstico envelhece, o sofrimento se alonga e a confiança no serviço público se dissolve.
Essa sucessão de esperas não é fruto apenas da falta de médicos, mas de um colapso progressivo da rede estadual de média e alta complexidade. Há anos o Estado mantém na região a mesma estrutura física, sem expansão proporcional ao crescimento populacional. Enquanto isso, os municípios arcam com os custos de pronto-atendimentos, UPAs e serviços que tentam conter o desespero de quem não consegue ser atendido pelo hospital regional.
E se essa fila não fosse apenas consequência da ineficiência — mas parte do próprio modelo de funcionamento do sistema? É possível supor que o Estado mantenha a fila como amortecedor da incapacidade instalada. Se todos os pacientes recebessem atendimento especializado em tempo razoável e realizassem os exames no mesmo ritmo, o sistema estadual colapsaria em questão de dias. Onde seriam feitas as cirurgias? Onde seriam internados os pacientes? A estrutura física e humana simplesmente não comporta a demanda reprimida.
A fila, portanto, funciona como válvula de contenção: distribui a dor no tempo, disfarça a insuficiência estrutural e evita a explosão do sistema. É cruel, mas é funcional. É desumana, mas administrativa e politicamente conveniente.
Essa engrenagem de lentidão tem efeitos devastadores. A cada mês de espera, doenças se agravam, diagnósticos perdem validade e tratamentos tornam-se mais caros e complexos. O que poderia ser resolvido com uma pequena cirurgia ambulatorial transforma-se em um caso hospitalar grave, de alto custo. O Estado paga mais caro, o município se sobrecarrega e o cidadão perde a saúde — às vezes, a vida.
O que se vê em Presidente Prudente não é uma exceção: é um espelho do modelo estadual. A fila, longe de ser um erro técnico, é o sintoma de uma escolha política — a escolha de não investir o suficiente, de não ampliar a rede, de deixar que o tempo administre o que a gestão não consegue resolver.
Mas tempo não cura doença. Tempo apenas a transforma em tragédia. O dia em que todos forem atendidos em tempo hábil — e essa é a meta civilizatória mínima de um sistema público de saúde — será também o dia em que ficará evidente a incapacidade estrutural do Estado. Talvez, por isso, a fila nunca acabe. Ela não é apenas um problema: é o modo de funcionamento de um sistema que já desistiu de ser eficiente.

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